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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

o vizinho


Disparo de escopeta. Rugido de terror. Clarão em plena tarde. Assovio estampido estupor empapando o sangue a camisa o cinto a cintura o cós da calça a figura. Baque clandestino contra todo o corpo. O divino vibra no fosso com ratos serpentes pavões com dobras. Gargalhada larga a toda sanha. A crueldade praticada desde as entranhas.
O que vir madrugada e verso o que rir descoberto e avesso o romper das cercas o novo começo.
Pletora de caos carnes e dias dores da dor vergar da viga. A que sustenta a que contrai a que regula regra milímetra ilha do terreno encurralado do senso de razão de lógica do ordinário dos costumes.
Sons do quê? Coisa alguma.
Calça das justas peitos bundas e os mais alterados índices nos painéis nas placas hirtas de notícia.
Altas vão as noites na primavera. Vê a fagulha na flor no campo?
Vê o cântaro desbordando a tarde todo o perfume ungüento piche que encobre os gestos da abelha da centopéia da frondosa árvore entope os vasos de tudo o que é veia.
O divino vibra no osso e se desdobra.

(extraído do livro "um mundo outro mundo".)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

nós


na casca
madeira
veios
vínculos
cônvulos

abrida a fruta
avultam
fendas
dobras
o um
da polpa dupla
o
que veio
em cheio
o
no meio
noz

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

ela não veio

Salvo que ela não veio. Pelo menos que eu tenha visto. E eu estive aqui a olhar do hall para a porta de entrada o tempo inteiro. Não, ela não poderia ter entrado pelos fundos. Muito menos pela janela. Mas que idéia de casa porosa é essa? Ela não veio, já disse. Eu vi que ela não veio. E depois é uma questão de procurar pelos cômodos. Mas como saído. Se eu não a vi sequer entrar, como a não teria visto sair? Ela teria passado por mim. Dormir? Não. Como eu poderia, aqui sentada, sem nem ter onde encostar? Não. Em hipótese alguma ela não veio. Estive aqui o tempo inteiro a olhar o vazio que era o esperar por ela e ela não vindo. Não veio. Aqui de onde estou guardei a porta ela não se abriu sequer ao meio. Nenhuma fresta de luz ou mescla de cheiro da rua passou por um entreabrir de porta de gente que entra. Não mesmo, ela não veio. Eu vi que ela não veio. Bem, digamos que agora é esperar que ela venha uma outra hora, qualquer hora, a partir de amanhã. Era hoje. Mas eu esperei o dia inteiro e nada, nada de ela vir. Foi um silêncio. Estatelei meus olhos naquela porta que nem uma folha dela se abriu. Rangeu ruiu. Maçaneta sem rodar. Barulho por não chegar. Tudo uma fotografia muda de olhar para a porta e ver o dia inteiro que ela não, ela viria, mas não, ela não veio.

(extraído do livro "uns tantos outros".)