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terça-feira, 29 de março de 2011

o que vir


Perto. Ou longe. Na verdade não tinha lugar. Um aquilo. Um que sem nome. Na verdade não tinha um nada.
Ver. Ou pensar. Uma vareta de coisas plausíveis. Pausa ou sonda. Uma nota a dizer que vibra.
Caos. Ou cacos. Mês captar da vida. Venta ou não. Tudo é uma paragem uma miragem uma visagem uma paisagem um desconcertante avesso do onde se encontra do onde se é.
É o começo. É o sem pé. O que não cessa. O que advém. Olho e promessa. O que é que vem.
Balões são membranas que encapsulam o ar. Mas eu ainda queria falar de pessoas. Pessoas são balões que encapsulam o ar. Pessoas encapsulam o sangue a linfa o quilo e seja lá o que for pra dizer partícula o que fimbra o que linka o que será querá.
Pessoas são paisagens ocupadas em ver. São imagens instaurando o desconcerto a miragem a visagem a paisagem a paisagem tantas tantas tantas linhas estradas e toda a animália que fica de fora nos vendo circundar.
Pessoas são bactérias que de tão taludas se parecem com pessoas. Pessoas são pessoas e todo o sentido do que é que venha a ser isso.
Pessoas são buracos cavados no memento instante. Umas palavras escritas atrás das outras. 

(extraído do livro "um mundo outro mundo".)

terça-feira, 22 de março de 2011

globalizados II


Estranhos eles vêm em grupo, aproximam-se do seu espelho retrovisor lateral. Você consegue enxergar apenas a encruzilhada que abriga a braguilha, virilhas, tronco e coxas, num movimento contínuo em direção ao espelho. Eles vêm, você consegue ver que eles se aproximam. A mão enorme de um deles prende-se em concha ao cós da calça, isso você consegue ver. Consegue ver também, embora o recorte pequeno estreite a visão, que suas roupas são velhas, muito sujas, enquanto continuam a se aproximar. Agora perto, estreito em close, você consegue sentir a sombra ao seu lado esquerdo, rápido, quase calor da presença em gente, indigente, que chega ao lado do seu espelho retrovisor. E não pára, para seu alívio; ao contrário, passa, e você percebe que mesmo mal-vestidos prosseguem em pressa atravessando a rua, numa tentativa de encontrar espaço entre os carros para atravessar a rua, só atravessar a rua, pois a faixa de pedestres foi invadida por dois carros e uma carroça, puxada por uma menina suja de uns treze anos.
(extraído do livro Babel, é claro, publicado em 2002.)

quarta-feira, 16 de março de 2011

pelos telhados andam os gatos

pelos telhados andam os gatos
as sombras pegadas em degraus
de paredes
à luz de mercúrio da cidade
à noite
acendem-se as lâmpadas nas janelas
silêncio

pelos telhados andam os gatos
o silêncio da noite
no burburinho das casas
os gatos
telhados
as sombras
lâmpadas
o burburinho

silêncio nos olhos nos ouvidos nos sentidos

apagam-se as luzes acendem-se as luzes
clareia o dia anoitece de novo

o andar macio das pernas astutas
deixa pegadas as suas sombras
miandam miandam 

        param


olhos de espreita a sombra dos gatos

silêncio

quinta-feira, 3 de março de 2011

vala comum



Estávamos todos ali. Éramos um todo confuso. Ninguém se sabia dizer. Apalpados todos juntos nossos corpos faziam peso faziam pressão uns sobre os outros. Éramos um todo indistinto. Massa dos não conclusos, corpos semblantes dígitos. Éramos só pelas linhas das mãos. Cada um pelo lado do avesso. O contracorpo era o que nos dava o nosso começo. Éramos aqueles algures que nem sofregavam nem aspergiam olhares certeiros para além dos tantos mesclados cheiros. Éramos as tramas entrelaçadas dos fios de uma colcha comum. Tenda armada pelo consenso do que seja o só um.

Éramos o foco desfeito. Coisa que não tem sentido. Fluxo amorfo que se enreda nos caminhos ermos. Vivíamos em nosso próprio olvido. Os que não se vêem os que não se sabem vindos. Grãos calcinados pelos solares raios. Frutos que não se maduram que não reconhecem os seus próprios talos. Os que não se convencem os que se contentam em contentar-se com os indistintos meios. Éramos os nós dos que se emaranham de todos os jeitos.

Éramos os zeros as fendas as brechas por onde escapam os veios. Rastros deixados algures passos que não se cumprem.

Éramos por outro lado. Obstinados em nossos erros. Estávamos ocupados apenas com nossos eitos. Estávamos no que se compraz de ter como ápice a sombra dos injustificáveis zelos. Víamos o que não se comprova com os contrários o que não se contrai dos opostos o que não se contenta com definidos termos.

Éramos de todo jeito. O mais elementar conluio dos que não se atêm a lugar nenhum. Um conjunto de ossos uma procissão de entes que se imiscuem ventre de todos os entres. Éramos os que não têm nada a perder ou ganhar ou querer. Éramos os que estávamos ali sem nada ou nada a ser a não ser o negar do aquilo que nos disseram ser desejável sermos. Éramos os que não foram não eram jamais aqui ou em qualquer outro fluxo que nos determinasse para aquém da causa última, cláusula certeira. Estávamos todos juntos no que se afirma para além do que se determina e por isso permanecíamos sendo o exercício de inconfiguráveis mãos.


(extraído do livro uns tantos outros.)