não é poesia. não é prosa. não é literatura. não é filosofia. texto. palavra. traço. ponto a linha. entrelinha.
quarta-feira, 29 de maio de 2013
segunda-feira, 27 de maio de 2013
o que quer que seja
Importa o que quer que seja que seja
eu que diga?
Começar. Intervalar.
Colocar dentes ou perfumes. Vestir as
roupas do avesso. Escalar o prédio pelas janelas. Andar pelo meio-fio a tarde
toda entrando pela noite a madrugada adentro saindo pela aurora estar pisando
ainda ali entre o asfalto e a calçada.
Importa afinal de contas o que quer
que seja que eu diga?
Rombos na roupa. Tijolos em muro.
Gastar todas as notas deitar só as moedas no balcão. Contar pelo vidro de trás
do carro os carros todos parados em fila. Andar com as costas erguidas. Ou
dobradas.
Importa a quem quer que seja o que
quer que seja o que se diga?
Alfinetes abertos. Casas vazias.
Poeira nos dedos e nos cantos dos olhos no cimo do nariz. Ouvir mãos que se
fecham. Derreter com as artérias. Ir pela praça a subir uma perna alternada à
outra em todos os bancos. Ver macacos. Olhar para cima. Sondar as capas de
chuva que foram esquecidas pelas quadras. Vestir as botas e depois as meias.
Encordoar os violinos os violões os pianos. Dedilhar unha a unha tecla a tecla.
Importa a quem quer que seja o que
quer que seja afinal de contas que se diga?
Um dois três outro espaço ou pedaço o
que quer que seja ou quem é que seja que vá coroar tinta a tinta uma outra
maneira de dizer seja lá o que quer que seja que afinal se diga que diga diga.
(extraído do livro "onde houver vida a vida haverá de vingar")
sábado, 25 de maio de 2013
venta ao norte
venta ao norte
e alguns gravetos crepitam na montanha -
do galho de uma árvore
uma pantera
espreita suas presas
venta ao norte
e a última janela da mansão
estala ao calor da lareira -
de dentro do quarto
alguém vagarosamente
prende a respiração
venta ao norte
e no mês de abril
pequenos barcos de pesca
transitam solitários -
na cabine
um foco de luz balança
e desenha sombra-e-luz
nas paredes
venta ao norte
e alguém passa na rua -
o som dos passos
exprime a aguda angústia
aqui de dentro
venta ao norte
e alguém arma uma bomba
para pôr nalgum centro urbano
venta ao norte
e noites adentro batem na janela -
o vento do norte
ao bordoar as janelas
dá sentido às labaredas
venta ao norte
e alguém acabou de sair do banho -
o hálito quente e perfumado
escapa pela porta
venta ao norte
e alguém muda de canal
venta ao norte
e as antenas transmitem o jornal
das vinte horas -
um anúncio de comida de cão
os preços de uma lingerie
uma nova marca de sabão
mostram a uns o tamanho da solidão
outros – sós – nem se tocam
em meio aos gravetos da floresta
respiram aliviados
a vitória sobre a fera
quinta-feira, 23 de maio de 2013
de repente um outro
De repente como pegar o que já esteve
ali. Caco de coisa que ninguém dá por falta. Pau quebrado. Cerca derrubada.
Poste sem ter estrada. De repente é como pegar a louça trincada e com ela por
não ter com ela que fazer nada arranjar outro corte outro fio outro uso do que
ali nunca foi previsto.
De repente. De cacos. Farrapos de
roupas. De trapos tornados colchas. De panos descosturar redes. Fazer fazer
tomar rearrumar o que nunca ali foi visto o que jamais pra isso foi feito o que
de modo algum foi suspeito. De repente. Cor da matéria vísceras de quimeras de
rejeitos de destroços.
De repente ver acometer o pulsar de
outros nortes e de outros suls de outros pra lá e pra cá. Outro de todos os
arranjos dos vagos ocultos entre o que estava um pouco a pouco forjado a custa
de viver o nenhum sempre. Sempre aquele que está sempre outro.
(extraído do livro "onde houver vida a vida haverá de vingar".)
quarta-feira, 22 de maio de 2013
íntimo das coisas
esse conhecimento impregnado íntimo das coisas
quando tudo deixa de ser mistério
quando despojar-se de paixão é assumir que nada
além se esconde ou se oculta
saber que tudo claro e amplo
entorna-se no exíguo frasco do infinito
aquela matéria insondável
esse sentimento do desconhecido
o risco inexpugnável do vento-arfar no rosto
esse conhecimento impregnado íntimo das coisas
é o ato ínfimo que se perde
para além do sabido
e assim depois de gastos e antigos
concluímos que além do oculto está
o que sempre esteve aqui do lado
porque nada aumentou ou diminuiu
porque em suma sabemos ser sempre os mesmos
mesmo que inequivocamente outros
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