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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

epifania



naquele dia especial nem quente nem baço nem frio
nasceram muitos meninos nasceram muitas meninas
no quase andando estiveram aprendendo sobre as coisas da 
                                                                                         vida
a água do regato que acaba as árvores que secam na colina –
esticando bem a corda o que se consegue é o som do violino
e curvando aos poucos a haste se constrói um instrumento fino

dançando um pouco adiante
quando tinham as pernas mais taludinhas
perceberam que a dança poderia dar rasteira
e derrubando um a um
num treino de celebração
aprenderam a dançar aprenderam a lutar
e assim amor-raiva circunscritos
do âmago do ânus ao alto da cabeça
estalados e transidos luminescentes e trazidos
guardaram nas mãos e nos pés
guardaram na ponta do dedo
uma eletricidade que não se traduz
uma voz que não se exprime
um sopro quente de luz

agachados a espreita
olharam para tudo e viram que ainda precisavam compreender
e como ninguém havia que os explicasse
caminharam rumo a inaugurar o seu próprio conhecer

no meio da noite escura alguns
no interior da floresta 
outros na capoeira funda
outros no rio enorme
outros nas plantações carvoeiras
outros dentro dos porões
outros ainda rente aos esgotos
outros mesmo no meio-fio
todos e cada um ao final do mesmo dia
entraram no inferno que tinham
e de dentro da profunda agonia
descobriram o seu próprio meio:
medo dentro da barriga medo a percorrer a espinha
raiva do não consigo pena do ver-se sozinho
tombo queda tropeço tropeço
e ao fim eles conheceram todas as suas fantasmagorias
de dentro do centro do cerne
no olho do desconhecido no coração do inominado
souberam sem ser com a língua
que do escuro de seus medos
há um outro que parir

construíram então a canoa
engendraram a passagem  
desenharam de borda a borda
a ponte acima do abismo
e dali saíram corpo
e dali saíram curva
e dali saíram fluxo

passo a passo cada pé
inúmeros transformados
iniciaram a trajetória
empurrados pelo vento de si
sentiram fadiga e tiveram dúvida
mas seguiram flecha

entrementes surgidos tornados
tufões de sopros alastrados
seguiram todos múltiplos
para o algo desconhecido de cada único:
atingir abarcar encontrar
os mundos que se inauguram   
no novo de cada gesto

3 comentários:

  1. do escuro dos nossos medos
    saber que há outro a parir

    bom demais ler isso hoje.

    isa

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  2. MARA
    É UMA DAS COISAS MAIS LINDAS QUE VOCÊ JÁ ESCREVEU.
    ME TOCOU MUITO,POR NOS VER AÍ TODOS NAS NOSSAS MESMAS CIRCUNSTÂNCIAS MAS EM BUSCA DE MÚLTIPLAS SAÍDAS.
    VERA

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