não é poesia. não é prosa. não é literatura. não é filosofia. texto. palavra. traço. ponto a linha. entrelinha.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
tudo era ponte
Tudo era ponte. Pedra. Era azul de moeda. Era cara e coroa
era o gargalo da ampulheta era névoa era a solidão era do céu era a neblina dos
campos o vapor da vela era o azul era tudo era o que estava por trás disso tudo
e eu não via. Amanhecer mais um dia. Outra semana cortada na parede da cela ou
da caverna ou do tronco da palmeira naquela ilha. Nem baú nem Trafalgar Square
nem relógio de algarismos romanos sobre a torre da estação nem painel de
controle da aeronave. Nem o pulso mais batia. As incontáveis horas naquela
cabeceira. As inúmeras páginas lidas para ele ao longo de todos aqueles dias.
Selva de febre e de agonia. Horas de lâmpada e muitas muitas paisagens vistas
por trás da escotilha. Céu de relâmpagos. Carpintaria. Nuvens suspensas por
sobre a tenda do final da tarde daquele dia.
(extraído do 'livro' "afeto confesso")
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
solo
Sozinho.
Desacompanhado. Sem ninguém por perto. Nem sequer ao lado. Sozinho. Isolado. Só
um canto escuro. Pouco iluminado. Nem um abajur. Nem uma janela. Um completo
quadrado. Sem saída acima. Sem um alçapão. Sem andar embaixo. Um completo
escuro. Nem uma cadeira. Nem vi passar o rato. Um completo solo. Um completo
incompleto. Um inexplicável solo. Sem nem um som por perto. Nem o que sai de
dentro. Nem o sangue escorre. Nem o ar mais entra. Um completo solo. Encontrado
de lado. Sem sequer um nome. Sem nenhum passado. Um completo solo. Nem sequer
tocado.
(extraído do 'livro' "um a um - os poros da paisagem pólen".)
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
enfunar de camisa
O peito
estufava a camisa. E estava longe. Longe do horizonte. Longe da vigília. Longe
da janela. Longe longe de toda linha. Estava naquele momento em que não há
nenhum momento. Estava naquele encruzilhar em que de modo algum se pode chegar
sem chegar. Estava ali sem que ali estivesse. Sem que lá fosse algum uma
quimera de alguém. Nenhum horizonte e a larga. A fenda do que ruge a vir. Rumor
de cores de ares de tremores. E era um arco a paisagem música. Dobra sombra
nova novo ar. Uma camada do longínquo do agora do ubíquo de que não há nenhum
falar. Do que nada mais se diga sem que seja alvitre. Do que tudo insta urge
vibra. Do que tudo fibra.
(extraído do 'livro' "onde houver vida a vida haverá de vingar".)
sábado, 13 de fevereiro de 2016
o estreito da fresta
O que já estava morto desde o início?
Fadado ao não? Nada? Na vida nada existe traçado. A vida não existe sem se ver
modificando. O que não se vê para além desse não? Quando se está de viseira.
Quando se usa um monóculo. Quando se vê somente o que acontece diante daquela
fresta.
Quarto escuro. Cama perfume. E uma
mão. Que passa pelo cabelo. E a respiração. Hálito quente. Quem poderia ser que
respira aqui ao lado? Uma presença. Em que dimensão se amontoam os corpos nos
cômodos pegados? Cama berço criado-mudo tapete cortina janela que dá para a
casa ao lado. Toda a luz se avizinha de manhãzinha e sempre já era tarde.
Respirava esse alguém toda a noite inteira aqui bem perto ao lado. Mas ninguém
nunca esteve aqui. Só o que esteve foi o hábito.
O que fazer quando o que se pode ver é
apenas um pequeno pedaço? Uma franja e o mundo fica todo inteiro inteiro do
outro lado.
(extraído do 'livro' "um a um - os poros da paisagem pólen")
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