Eu poderia escrever pelas
bordas. Pintar pelas bordas. Coser pelas bordas. Caminhar pelas bordas. Olhar
pelas bordas o todo como quem faz o invento dentro por dentro sem que desse
dentro nada se cave acompanhe ou destrua. Eu poderia somar inimigos escrever
cometendo barbarismos usar garranchos em lugar de linhas que se desenham pelo
horizonte da página. Eu poderia enumerar nesses ritmos inscrever nos lados os
dígitos confrontar curvas e cordas costurando entre os grafismos um entrever
entre a pauta e o caderno de exercícios. Eu poderia compreender com minha letra
toda a aplicada linguagem das rimas ser tomada por imagens prismas inaugurar
todo um salão de espelhos focos e reflexos. Mas eu não sei como fazer isso.
Fico aqui com o caderno no colo evocando o que se desponta. Anotações da camada
do avesso. Não faço obra nem descanso do intento. Fico aqui entrecortada com a
visão do abismo e toda carga de um relâmpago a triturar minha parca expressão
do que deveria ter sido haurido como texto plausível do que deveria fazer um
apelo do que deveria estabelecer como começo. Mesmo.
(extraído do 'livro' "afeto confesso")