não é poesia. não é prosa. não é literatura. não é filosofia. texto. palavra. traço. ponto a linha. entrelinha.
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
sábado, 22 de dezembro de 2012
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
os que viram
Vamos
falar do minuto, do oculto. Do ultrapassar do ubíquo e de toda a memória. Vamos
falar do vulto do que se apreende no ventre e se faz com outros meios que não
se prendem só com a pinça dos dedos. Vamos falar da mágica do escuro, do
além-muro do que atravessa e vara a equívoca percepção.
Esta é
a história:
Rompantes
de carros, buzinas perpétuas, os vizinhos a martelar dentro e em todas as paredes.
Estavam todos na sala. Os olhares viam as imagens da televisão se movendo ao
sabor dos anúncios. Eles eram aqueles alguns a mais na população dos que se
deixam viver nos intervalos de tempo. Não ponderavam o que sentiam, não
averiguavam o tanto que eram ou o menos. Muitos estavam sentados nos sofás e
tudo que passava ficava por meio deles pequeno.
Isso
foi num dia, numa noite, num claro entrecortar e se deu quando neles começava o
inconfessável conceber despencar da inabalável iminência. Você voltava da
cozinha, eu disparava a tecla que acionava as imagens sem que fosse necessário
testemunhá-las todas. O que não se mostrava de repente se instaurou porque
naquele lapso percebemos que víamos. Era que o perceber aos poucos foi se dando
para nosso presente. Instante gravado nos nossos semblantes.
Vivêramos
desde sempre ali, naquela sala daquele apartamento. Você que voltava da cozinha
e eu com o aparelho de controle remoto. E aquilo certeiro que se instaurou ali
que se fez irrevogavelmente. Aquele u que nunca tínhamos percebido. E de
repente foi uma cachoeira que se fez dentro de nossos todos sentidos. E o mais
que não podemos chamar de sentidos também.
Você
sentou com a xícara, eu desliguei a tv. E depois foi o ar e o que mais ver e o
que mais ver. Senda que prescinde das paredes e de todos os orifícios da nossa
percepção. Tudo era a fonte e o estarmos ali foi o que nos fez habitar aquele
novo como nunca antes.
Soprava
a voz que repetia: ninguém vem para te proteger, que sussurrava: ninguém vem
para te prometer, que percutia: ninguém ninguém ninguém mesmo está por trás de
você ou de mim. Foi então que vimos. Essa vertigem porém não nos empurrou no
previsível abismo. Era porque era uma outra esfera. A percepção era o de menos
porque nossos modos agora desconsideravam os antigos meios. E isso foi o que
nos veio. Assim nossos olhos na espreita nossos olhos eram o ver nossos olhos
olhares eram no vulto do inincapsulável acontecer.
Mas
vamos, vamos sim, vamos falar do vulto. Do que se deu para além do que se chama
de oculto e que está com outro nome que não esse que se aplica ou se inscreve
nesta página traçada letra a letra, nesta folha que se abre neste agora das
suas mãos.
Esta é
a história:
Era
depois do jantar. Depois que tínhamos discutido todos os caminhos a seguir para
daquele beco dos últimos dias escapar. Estávamos com os pratos na mão, quando
então veio primeiro em você depois em mim depois nas crianças a sensação. Era
como um intenso sorriso algo de alma sem aviso o frescor límpido que só se
experimenta ao viver. Era de um vigor sem esforço. Como uma janela que abre
suas folhas de par em par. Carne calor cachoeira sem que nada tenhamos feito
estávamos tendo aquela apreensão que alguns esperam a vida inteira poder
experimentar. E fomos sem os minutos. Claras criaturas precisas ventos que se
passam líquidos fogo que ninguém ninguém ninguém jamais suspeita.
E assim
com outros que havia não só as crianças. Cenas provindas de um ovo que em todos
habita e que ninguém aventa: inaugurar do novo o novíssimo sementes que não se
limitam que se abrem que se ensejam no descomensurável no inconcluso e no
arremesso.
Era de
tudo e de um sorriso e de uma clareza intensa de que naquilo que se hauriu foi
o eterno que se hauriu em todos os infinitos corredores. Luzes e os reflexos
que não escaparam para o depois.
Vamos,
vamos sim falar do vulto, do inapreensível, do que sempre pareceu oculto. Mas
de um modo que isso se dê de um modo que ninguém ninguém ninguém nunca mais
deixe de ver. Vamos falar do que não se cogita ainda que ainda de todo modo
errante.
(extraído do livro uns tantos outros.)
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
colmatado
Converter o nada em quê? Lata vazia.
Parede de lata. Eco de lata. Silêncio de lata. De tábua. De tubo compressor.
Silêncio estirado. Silêncio extintor. Silêncio colmado. Silêncio clangor.
Silêncio consumado. Silêncio extintor. Nada. Extrair do pedaço de lata que se
acomoda como abraço no peito. Que circunda o que é do corpo e o que também no
corpo habita mas que não se acha como corpo no corpo.
Nada há que fazer. A folha grossa de
alumínio transmutou-se em mucosa. Pele dos órgãos. Clangor de órgãos congelados
definidos colmatados sobrepostos erigidos. Colmar das camadas do ventre do
pulmão. Organizar de colméias por nenhum espaço livre.
Converter o nada em quê? No exercício
extenso de arrancar do corpo essa colméia feita película de lata que ecoa o oco
e que não encontra nada. Só o eco. Soa eco. Soa o oco. Do sacudir da superfície
folha de lata.
(extraído do livro onde houver vida a vida haverá de vingar.)
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
sexta-feira, 7 de dezembro de 2012
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
na nave
Espaço de matéria
vaga. Nem comando ou capitão nem piloto governava a nave. Ele tinha acordado
ali depois de quanto tempo? Não podia ver. Só via que a nave vagava pelo espaço
a nave não navegava. Não navegava a nave só vagava. E ele ali de outro século.
De outro dia. Olhava para tudo e via que não podia mexer em comando algum para
ir a lugar nenhum porque ali não havia nada que para ele se parecesse com um
comando. Quase não podia respirar de tanta solidão e medo que sentiu quando viu
que estava ali a navegar na nave que não navegava na verdade só vagava. Olhava
e olhava e olhava e olhava a procura de um comando em busca do capitão. Nada.
Nem um só botão. Nem uma só alavanca. Nada que se parecesse com um timão ou com
um painel ou com coisa alguma. Tudo ali era parecido com nada que se parecesse
com algo que ele conhecesse. Ficou ali de pescoço e corpo virando procurando.
Não tinha passos porque parado só podia naquele tudo o que sentia só podia
olhar e olhar e olhar a procura de um simples instrumento. Não havia naquela
nave nada que se parecesse com uma possibilidade de governo de controle para a
navegação pensou ali nada naquela nave que o fizesse poder parar de vagar.
Sentiu que seus pés não pisavam em chão. Não tinha nada ali onde se segurar.
Depois que sentiu isso foi de vertigem em vertigem pensando que seu corpo caía
mas não caía. Nem voava. Seu corpo o mais próximo que fazia era dizer que vagava.
Quem era tanto de
dizer-se ali. Incomensuras. Inconjeturas. Não podia averiguar nada. Vagava na
nave que vagava por sua vez no espaço. De que tempo? Em que medida? Ele queria
se lembrar num esforço como fora parar ali mas o que só podia naquela vaga era
se dar conta de que nenhum comando dominava. Depois começou a ver a chegar
construir que de onde lhe vinha que aquilo era de fato uma nave? Só por ver o
espaço e o ao redor de estrelas e galáxias? Só por ver que ali havia um
quaquilhão de intercambiáveis astros esferas que em elipses se faziam?
Passavam-lhe por sobre os olhos às revolutas infinitas bolas dos mais
dimensionados tamanhos. Era ver como havia um modo de ver sem chegar a perceber
o governo ou o sentido do que via. Era dentro de uma nave, isso ele concluiu
que só podia. Mas era aquilo em que lugar houve espaço para se dar esse
acontecer? E por que só ele vivia aquilo de estar vagando dentro sem saber
direito do quê? Ele não se lembrava de nada. Ele não se lembrava de coisa
alguma. Ele só fazia era estar olhos e rodopios de viver aquilo de tantas esferas
das mais esquisitas eras a lhe rondar circunscrito. E era dizer que ele via ao
mesmo tempo que sentia lhe penetrar por dentro as membranas daquilo que chamou
planetas daquilo que chamou esferas daquele circuito que para ele descreviam
elipses. Era de ver como nele as bolas todas em todas tamanhas se imiscuíam e
lhe faziam mais que cócegas lhe davam a completa plenitude impressão de ser
tudo aquilo de estar dentro de ser dentro e aquilo. Era uma circunvisão
infradifusa corpo celeste qual o quê? corpo matéria esgrima de todos os
contatos com muito mais do que mais via vivia experimentava pensava ou sentia.
(extraído do livro um mundo outro mundo.)
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
terça-feira, 27 de novembro de 2012
acordada
Estava
invariavelmente acordada, ainda, sem passar pelo instante intermediário entre o
sono e a vigília quando era assaltada pela imagem da morte. O despencar de um
prédio, o rolar pela escada, o momento final que nos acercará a todos, seja
onde for que estivermos, era-lhe muito íntimo. Na verdade, só não era mais
porque não suportava deixar que ele lhe tomasse inteiramente os sentidos. De um
pulo sentava-se na cama para afastar a imagem diante de seus olhos. Via, sentia
na carne, o momento extremo em que a respiração cessa. A veia seca. A agonia do
instante em que se dá o final dos dias.
Isso
não lhe parecia ser uma premonição. Não vislumbrava pessoas. Não via ninguém.
Só sentia em si o aproximar-se da morte.
Essa
era sua senda. Caminho por onde ia sem lhe poderem escapar os sentidos. Seu
premonir-se era saber na carne o que passa por ela no instante preciso.
Vislumbrava as agonias, encarnava-as. Disso não se podia furtar. Assim vivia.
Cada noite ao deitar-se não sabia se o sentimento ia-lhe assomar. Não se podia
furtar, quando a acometia. E a seqüência era um esforço abrupto de se livrar
daquilo.
Depois,
pensava no humano. No caco de pouco que somos. No grão de pólvora de pólen de
areia pelo ar. Era isso o de que ela não conseguia escapar. A dimensão diminuta
que podia sentir nos ápices de sua pele. Sentava-se na cama. Quase sempre
acendia a luz. Às vezes tinha mesmo de ir até a janela da sala. Olhava a
madrugada quieta. A esquina e a curva da calçada descrevendo a quina. Olhava
para os postes de luz, para o céu. Às vezes abria o vidro e ficava procurando
estrelas. Mas por mais quieto que parecesse a um observador esse era ainda um
gesto sobressaltado.
No
fundo nunca tivera coragem de permanecer deitada. Uma noite havia tentado, mas
o sentimento aumentou de tal forma o peso do ar que se sentiu entaipada.
Enterrada viva. Daí o salto sentada. O sentimento a acordava. O sobressalto era
resultante do escoar do sentimento no tempo. Do deixá-lo tomar o corpo, chegar
ao pensamento. O sentimento. Um sentimento silêncio. Instante contido todo no
corpo. No cerne de sua carne, sob a pele, subcutâneo aquietar dos movimentos
todos do corpo. Era um pairar. Sobrepairar. Então vinha o peso. O sentimento
cárneo que a compelia. Pensava, muitas vezes, em poder parar nesse instante
físico. Mas tudo era num átimo. Vinha o gesto da paralisia final. O congelar
das vistas. O corpo tornado pedra. Instante em que o instante cessa.
Certa
noite, foi acometida de um modo diferente. Essa experiência ela guardara. Mas
contar para quem? Quem poderia sentir próximo o que dela se aproximara? Dessa
vez fora diferente. Seu corpo estava deitado de costas na cama. Isso pôde ver
mais do que sentir. Ela sabia-se deitada porque se via de fora. Por trás. Por
baixo, além do colchão. Sentia-se um instante para fora, de modo a ver-se
deitada de costas. Pelas costas. Via com clareza sua nuca, seus cabelos, seu
pescoço. Via seu corpo deitando e deitando sobre inúmeros colchões ou sobre o
chão ou sobre a terra ou sobre o mato ou sobre a maca ali do hospital.
Sentimento vivo da agonia. Aos poucos se foi dando conta de que estava
testemunhando muitos morreres havidos. Pareciam-lhe seus. Parecia-lhe ser ela
mesma morrendo muitas inúmeras diversas incontáveis vezes. Muitas mortes como
se os corpos que morriam penetrassem o seu corpo ali deitado na cama. Muitas
mortes como fotogramas passados a espaços esparsos sobre a tela. Como se
houvesse um intervalo entre um fotograma ou uma seqüência de fotogramas e
outra. E no entanto sentia esses instantes na instância do corpo. Via-se e ao
seu corpo ao mesmo tempo que sentia como que o seu corpo deitar-se deixar-se
jazer sobre o seu corpo. Era uma forma de ver de inúmeros lados. Ver e sentir.
De dentro, de fora, do fora, do ausente, de baixo, de cima, de muitos ângulos
via, melhor, sentia suas inúmeras mortes. Isso de saber-se morta muitas vezes
era um além de si mesma no agora de todos os dias. Agora queria experimentar o
mais que havia por trás dessas inúmeras mortes. O mais de sentir como a morte
é. Continuava contudo sendo acometida pelos instantes da agonia final. Tempos.
Diferença pequena de tempos que produziam diversos sentires. O cessar da
respiração e a consciência física do corpo sem vida. Vento que se aproxima.
Hora suprema. O medo da morte, o medo da extrema.
Como
viver descrito esse medo imenso? Escrever da treva. Escrever cravado na ponta
da caneta, na ponta do dedo sobre a tecla. Escrever tremido, traçado, curtos
enlaces de letras que se enovelam teimosos em querer viver da trama cerzida da
agora morte expressa pela expressão premida. Escrever à pressa, ligeira mão não
contida pelo arestar dos nervos. Escrever aos borbotões de medo. Escrever dos
medos. Olhar no olho da agonia e ver aqui fincado em mim o momento extremo. O
medo da angústia do momento. A cara feita em máscara mortuária. A cara
arrebatada do último gole de saliva. A baba escorrida pelo lábio cinza. O olhar
tornado vidro. Arrancar das massas do ventre, do cerne da carne.
(extraído do livro uns tantos outros.)
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