Vamos
falar do minuto, do oculto. Do ultrapassar do ubíquo e de toda a memória. Vamos
falar do vulto do que se apreende no ventre e se faz com outros meios que não
se prendem só com a pinça dos dedos. Vamos falar da mágica do escuro, do
além-muro do que atravessa e vara a equívoca percepção.
Esta é
a história:
Rompantes
de carros, buzinas perpétuas, os vizinhos a martelar dentro e em todas as paredes.
Estavam todos na sala. Os olhares viam as imagens da televisão se movendo ao
sabor dos anúncios. Eles eram aqueles alguns a mais na população dos que se
deixam viver nos intervalos de tempo. Não ponderavam o que sentiam, não
averiguavam o tanto que eram ou o menos. Muitos estavam sentados nos sofás e
tudo que passava ficava por meio deles pequeno.
Isso
foi num dia, numa noite, num claro entrecortar e se deu quando neles começava o
inconfessável conceber despencar da inabalável iminência. Você voltava da
cozinha, eu disparava a tecla que acionava as imagens sem que fosse necessário
testemunhá-las todas. O que não se mostrava de repente se instaurou porque
naquele lapso percebemos que víamos. Era que o perceber aos poucos foi se dando
para nosso presente. Instante gravado nos nossos semblantes.
Vivêramos
desde sempre ali, naquela sala daquele apartamento. Você que voltava da cozinha
e eu com o aparelho de controle remoto. E aquilo certeiro que se instaurou ali
que se fez irrevogavelmente. Aquele u que nunca tínhamos percebido. E de
repente foi uma cachoeira que se fez dentro de nossos todos sentidos. E o mais
que não podemos chamar de sentidos também.
Você
sentou com a xícara, eu desliguei a tv. E depois foi o ar e o que mais ver e o
que mais ver. Senda que prescinde das paredes e de todos os orifícios da nossa
percepção. Tudo era a fonte e o estarmos ali foi o que nos fez habitar aquele
novo como nunca antes.
Soprava
a voz que repetia: ninguém vem para te proteger, que sussurrava: ninguém vem
para te prometer, que percutia: ninguém ninguém ninguém mesmo está por trás de
você ou de mim. Foi então que vimos. Essa vertigem porém não nos empurrou no
previsível abismo. Era porque era uma outra esfera. A percepção era o de menos
porque nossos modos agora desconsideravam os antigos meios. E isso foi o que
nos veio. Assim nossos olhos na espreita nossos olhos eram o ver nossos olhos
olhares eram no vulto do inincapsulável acontecer.
Mas
vamos, vamos sim, vamos falar do vulto. Do que se deu para além do que se chama
de oculto e que está com outro nome que não esse que se aplica ou se inscreve
nesta página traçada letra a letra, nesta folha que se abre neste agora das
suas mãos.
Esta é
a história:
Era
depois do jantar. Depois que tínhamos discutido todos os caminhos a seguir para
daquele beco dos últimos dias escapar. Estávamos com os pratos na mão, quando
então veio primeiro em você depois em mim depois nas crianças a sensação. Era
como um intenso sorriso algo de alma sem aviso o frescor límpido que só se
experimenta ao viver. Era de um vigor sem esforço. Como uma janela que abre
suas folhas de par em par. Carne calor cachoeira sem que nada tenhamos feito
estávamos tendo aquela apreensão que alguns esperam a vida inteira poder
experimentar. E fomos sem os minutos. Claras criaturas precisas ventos que se
passam líquidos fogo que ninguém ninguém ninguém jamais suspeita.
E assim
com outros que havia não só as crianças. Cenas provindas de um ovo que em todos
habita e que ninguém aventa: inaugurar do novo o novíssimo sementes que não se
limitam que se abrem que se ensejam no descomensurável no inconcluso e no
arremesso.
Era de
tudo e de um sorriso e de uma clareza intensa de que naquilo que se hauriu foi
o eterno que se hauriu em todos os infinitos corredores. Luzes e os reflexos
que não escaparam para o depois.
Vamos,
vamos sim falar do vulto, do inapreensível, do que sempre pareceu oculto. Mas
de um modo que isso se dê de um modo que ninguém ninguém ninguém nunca mais
deixe de ver. Vamos falar do que não se cogita ainda que ainda de todo modo
errante.
(extraído do livro uns tantos outros.)
E a vida nos escapa...!
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