não é poesia. não é prosa. não é literatura. não é filosofia. texto. palavra. traço. ponto a linha. entrelinha.
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
dias contados virão
Montar
na miséria e não saber onde é que acaba. Contar dias horas dias dias dias
semanas dias meses dias anos e sempre sempre sempre ter a mesma sensação
esgueira: onde é que fica?
Dias
contados virão. Mas mesmo depois deles os pequenos esporos dos últimos suspiros
espargidos recairão sobre um todo começo.
(extraído do livro onde houver vida a vida haverá de vingar.)
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
próxima parada
Abertura. Ponto
convexo. Comissura. Universo. Não passava nenhum carro e eu ainda esperava.
Estava um silêncio por todos os lados e aquilo não me parecia estranho. Eu não
ouvir. Mesmo o vento que farfalhava as folhas das árvores não me fazia ver que
não ouvia, de fato sequer sentia o que estava ali.
Não passava nenhum
carro e no céu se armava a tempestade. O vento arremessava já as folhas por
todos os lados. Dobrava os galhos até as árvores. O grão que se instalou no meu
olho só me deu a perceber que aquilo era um movimentar violento. Mas não de uma
espécie de silêncio que eu deveria estar ouvindo. O grão só me deu o olho e o
vento e o porvir tempestade naquele esperar espraiado na beira do asfalto nas
proximidades de uma proximidade.
Azul e cinza a
estrada e areia pedras nas margens. Era campo e vasto e vazio. Isso eu podia
sentir sem sequer ouvir ou ver ou ter o senso do que aquilo era a acontecer.
A tarde. Descampado
e vago o outro lado. Vago. Eu daqui compleição de passado e presente e onde
estarei no futuro ou poderei estar sem sequer um automóvel. Um mundo
interpunha-se em mim. O mundo era um repleto que se erguia e é claro e estúpido
o quanto desse mundo não me cabia o vazio de não ouvir ou ver ou sentir.
Eu estava lá em pé
esperava lá em pé e nem o asfalto passava. Tudo um quieto ao lado e à frente e
lá bem longe adiante. Horizonte para trás horizonte para frente horizonte para
os lados horizonte e o mundo atopetado desse persistir sem passar um sequer
carro. E eu ali. Tudo corria ou ventava e a tempestade que sobrevinha isso me
atestava. Tudo era repleto de vento silvando de raios trovões relâmpagos e
nuvens pesadas e vento movimentando o céu e o pó que já agora voava por todos
os lados da estrada. E eu ali sem ver o vazio o silêncio o sem sentido.
Tudo era aquilo e
eu não podia ver, mesmo ouvir, em vão. Tudo preenchido pelos próximos momentos
os que se passaram e passam os que se passarão. Somente uma e mesma coisa
existia naquela tarde da tempestade vindo e do nenhum carro. Somente uma e
mesma concha que ali fazia uma pequena ínfima parte viver.
Era num mundo em
que não ouvia e não mesmo sentia nada do que ao meu lado acontecia. Era o mundo
parede externa que como concha me afigurava o lugar. Que mundo era esse eu
ainda não perguntava porque olhava e não nada percebia no tanto que eu via
ouvia e sentia em volta. Este é com certeza um outro lugar diferente daquele
onde até então eu tinha estado. É um outro lugar silêncio de imagens que não me
dão a vista de nada além daquilo que não podia ver.
Mas já agora não
posso ter certeza de que se tratava de um outro lugar, o mesmo de quando antes.
Era tanto não ouvido ou percebido antes o que eu não via ou percebia agora ou
daquele momento em diante.
De onde eu falo.
Falo do que é surdo em mim. Falo do que não vê em mim. Falo do que constata
neste momento que é preciso dizer o quanto o que estou nesse lugar é o que não
posso determinar para o que seja para além de mim ou em mim ou mesmo mim.
Falo do surdo
oculto insenso como quem ainda não prescinde do movimento e do momento.
(extraído do livro um mundo outro mundo.)
terça-feira, 21 de agosto de 2012
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
náufragos
Escurecer
a sala, fechar as cortinas, cerrar em grade os dedos das mãos sobre os olhos;
olhar a minuto diminuto o comer do tempo o ar em volta o cada momento.
Irrespirar em frinchas tear nas frestas calafetar com a pele com a carne das
mãos o presente e desenhar no tempo; desguarnecer, virar a página do agora com
a mão. Pedra percorrida corrimão pedra lisa desgastada descer a escada pedra a
pedra até alcançar o que ficou por trás do alçapão. Domar dos cabelos o tempo
dos traços finos ranhados ranhuras da pele dos poros os vincos daquilo que não
pode mais estar não pode mais ocupar não pode mais mensurar não pode mais
aguardar não pode mais temer. Ver o que ficou turvado; onda que leva levanta
leve venho até a crista craca encravada no casco. A madrugada.
Era
barco e na proa a popa encostada no vidro da cabine. Deitada quase e a noite de
lua cheia clara se azulecia por entre a mata o chaquá-quá vem vindo às vezes
lembrar barulho o que era tombo no lombo o balançar das pequenas ondas que a
água agora fazia.
Braços
cruzados, a noite quase cheia de sereno e sirenes de grilos cricrilavam no
ouvido barulho bento balanço ungüento pra minha alma tanta fobia. Do lugar eu
avistava a praia em areia e pedras, pequena foice branca lambida a línguas de
espumas fofas a deitar branco no breu que retinia da água. Não era mais preta
porque havia a lua que a oleofazia. E eu contemplava lenta essa paisagem do
alto da proa da minha nau, da minha barca embarcação emborcada embebida de
lombra na madrugada. Era teu dorso que eu via quando descia os olhos da vigília
sobre as cordas. Não sei como não te incomodou estar ali deitado ao desconforto
de ardidas cordas nas costas, queimado do sol velejado o dia inteiro sol e
salgado. Que via era essa que agora fazia? Eu ver-te ao vento, hoje à tarde,
rosto suado, mãos deitadas ao leme, como se isso fizesse algum sentido para
mim. O que em ti estraga é o estar solene parecendo sempre ser assistido para o
cinema câmera máquina deitando imagem escanhoada no acetato posto por sobre o
creme da tela. Você era essa fina agonia de não saber sentido em minha boca em
minha régua em minhas lentes em meu caderno em minha tinta. Você era essa pedra
lisa que escorregava o meu arfar de cumpra-se o que o meu corpo desejar.
Cabelos anelos crespos pretos pratas conforme a lua borborejava ao balanço da
água. Fazia ver teu rosto de lado perfil ligeiro agora tomado para esquadrinhar
o que era que eu via quando eu te via. O que antes eu sentia quando te sentia
perto próximo vão desviado de mim. Olhava e a madrugada entrando adentro e você
sobre as cordas. Nada ardia nada doía tudo em você era perfeito para o momento.
Isso era só o que eu via. E ao que pressentia não pude dar nome nem hoje à tarde
nem a vida inteira que se seguira.
Como um
ator. Embora quando eu digo isso eu não possa dizer que tenha pensado
exatamente isso. Isso é isso o que de longe explico. O que eu vivi, vivi
contínuo, sem olhar para. Sem conceber aquilo. Agora escandido no tempo é que
eu consigo pensar que era isso. Isso de você ser aquilo que não embarcava, não
se embalava na existência comum de viver comigo. O que era isso de você ser era
o que eu não ainda sabia. Agora eu sei do verbo vivi. Experimento vago e
dolorido daquilo ido.
Destroços
de nós, chegamos à praia. Depois que chegamos, carregados pelas ondas:
destroços. E eram nós ainda o que víamos de nós chegados à praia. Nada
movimento. Cala no infinito. E o nenhum augúrio do que fomos formados do
passado nos assoma? Qual. Quê. Estamos que só somos nós chegados à praia. E a
areia não desfez. E a correnteza não desfez. E a correnteza nos arrastando a
menos não desfez. Nós. Desferidos nós, chegados à praia. Não desfeitos. Nós,
ainda nós, chegados, nós constituídos: cordas enlaçadas na velocidade do tempo
fazendo-se opostas. Opostos constituídos, voltas circunvolutas voltas que se
dão aos fios, que se dão às cordas, que não vibram quando feitas em obstrução:
nós voltados sobre o mesmo de si mesmos quando deram à praia. E nem a maré e
nem as ondas e nem a areia fez de nós nada que não sejam circunvoluídos nós
atados e chegados a uma praia.
Mas o
olhar no tempo pausa-pensamento esconde o que via acrescenta o que não ocorria,
desmascara a âncora daquela tela por onde eu ia.
(extraído do livro uns tantos outros.)
sexta-feira, 17 de agosto de 2012
quinta-feira, 16 de agosto de 2012
o que é comum
Os horríveis. Todo o chão. Vísceras
vincos veios fenda. O próprio inferno e ainda depois dele o vão. Agudo da dor
do oco do fundo. Agudo do horror.
E ainda sair vivo. E ainda sair vivo.
O que não me aniquila. O que por isso me amplia. O que me arrasta e me abisma o
que por fim por mim em mim também se afirma.
O que vinga o que vinga o que vinga.
terça-feira, 14 de agosto de 2012
um talvez nunca
Um talvez
nunca. De fato. Como o pedaço oculto, como o que não deixa lastro. Como o que
alcança cubo e não vê exprimir nem mesmo o dado. Um talvez nunca. Talvez. Mas
vem o gesto. Mesmo na solidão do ainda não expresso. Mesmo que talvez nunca.
(extraído do livro onde houver vida a vida haverá de vingar.)
sexta-feira, 10 de agosto de 2012
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
segunda-feira, 6 de agosto de 2012
a primeira pessoa
Ainda estaria vivo
se não estivesse noutro quase porto onde não estou em que não fui e de como de
onde em onde vou e para onde estive a dizer pouco do que seria mim.
Ainda estaria morto
se não estivesse diante daquilo que de modo algum posso dizer que vi ou li.
Posso dizer que senti. O bordejar da borda. O abordar da porta. O outro lado o
lado oposto o ante pé antes do pé o que não se pode viver o que não sequer se
aborta.
Aquilo de que não fui. Aquele de que não vi. A
imagem a fronteira o outro lado da mesma beira – o que não é beira desde quando
se saiba acertar a flecha ponta certeira.
O que no meio entre
os espaços entre os dois lados o confabular do que não é nem fui. Do que não
onde nem quando. Do que não dia não tarde não noite nem madrugada ou aurora nem
crepúsculo nem primavera. Do que nuvem borda do dia a bordoar bordoar bordoar
as paredes camadas as superfícies que nem diagonais nem retas. Nem pontos nem
infinitas setas. Nem longa nem curta nem apontada para outro lugar que não seja
nenhum e que no entanto um um um om do um – trêmula língua faringe garganta de
tímpano a que se dá a que se toma a nenhuma uma todas quase uma de uma em uma
instância.
É o que o um com
menos? Para dizer eu é necessário desertar de todos e isso ninguém é ou tem
coragem de dizer que não é.
(extraído do livro um mundo outro mundo.)
sábado, 4 de agosto de 2012
ele veio
Naquele
dia ele veio vago vago vago feito viesse no convés de um navio. Nenhuma sombra
o perseguia embora seu ar fosse esse de prega entre o que dava a ver e o que
efetivamente existia. Nenhum sibilo de montanha o apavorara mais do que saber
que ia ter de descer e andar entre as gentes e experimentar viver no preparo de
comidas, no cuidar de fogões e pagar de contas. Mas ele tinha isso como uma
determinação interna. Ele tinha decidido que ia virar pão. Ele tinha previsto
que isso seria necessário, como fora necessário o dia em que sentiu aquilo vago
vago vago dentro dele e esse sentimento de tudo atravessar e de ser atravessado
por tudo. Agora ele tinha de aprender a viver semente entrementes todo
entrecortar do momento pequeno e o pausar das mãos e o pisar dos pés no azulejo
da cozinha e os dedos que apertam interruptores. Ser cor e corpo diariamente
era o mais difícil intento desde que lhe acometera aquele sentimento de tudo.
Presença do presente na pele na carne na hora vazia. Ele colocou a camisa,
abotoando botão a botão sobre o peito o pano que agora o envolvia. Ele calçou a
meia e vestiu como se vestem os dentros dos sapatos grossos de couro. A
ausência de nervura ou vinco no couro denunciava o pouco caminhar com corpo
feito até agora. Dava pouco a ver o que nele havia.
Ele
tinha sido silêncio até então. E ao mesmo tempo era de extremos. Intensos
extremos, essa é a verdade. E dessa forma deveria permanecer entre os
resfôlegos das horas. Contudo, ele tinha de olhar e deixar vir seja lá o que
fosse. Ele tinha de aprender a passar. Corpo no corpo. Pulsar trazido o
coração. As fibras da carne umedecendo-se no navegar do sangue. O barulho tenso
de sua articulação no pescoço.
E isso
era o filete. O que bania o seu vago para sempre. Agora era corpo mensurado e
vivo. E não mais devia se deixar apartar do que vinha. Navaga de vir vindo
sempre.
E
assim, de pé, escolhendo papéis para guardar nos bolsos das calças, pensou em
quanto corpo além disso poderia experimentar. O que vibra para além da sua
fibra molecular. O que onda havida comunicada cada a cada paralelepípeda
energia a revolutear. O encontrar. E o encontrar de tudo a parede pele
pelímetro que se vira feito página lâmina na mão. E assim com as chaves, dentes
encaixados nas fendas.
E foi
pra rua. Camisa branca na calçada. Sol estridente entre as pálpebras e o vigor
do metal de automóveis. E passo a passo na escala de centímetros inteiros
abordar da porta de onde trabalhava. Entrado, olhado, sentou-se.
E
viram-se os olhos comunicar o veio o vulto do abrido do que dele ido e olhado e
o revido do olhar do outro lado. Camisa branca as axilas lisas deslizar da pele
molhada empapada. Um riso e o desviar dos olhos, mas ele havia prometido isso
não mais fazer. Levantou novamente o rosto e encarou o ainda outro lado e vinha
a voz de um sorriso fresco no ar que recebeu em cheio. Requebrar de cabeça e um
meneio. Cabelos contra a luz da janela e ventam como chama fecham o vidro e o
vento ainda venta. Ar fresco ali, no meio das mesas e quinas e papéis e teclas
repetidas a descer e a subir nas telas pintando, mas isso não mais interessa.
Acometido e olhado retribuído e revidado. Algo em haver, isso sim era descer. E
ver. E veio.
–
Quantos bolsos e papéis você agora traz consigo.
E riu
daquilo ter sido dito.
– É que
agora os trago escritos aqui comigo o que digo.
– E não
trazia antes?
– Antes
eu só ficava pensando em pousar a caneta e nem teclas usava. Agora os tenho
todos avulsos rasuras anotadas.
E olhou
os dedos de unhas cortadas. E ouviram-se seus risos suas gargalhadas.
Naquele
dia o vento estava forte como só em alto-mar podem ser fortes os ventos. Ele
segurava o leme com confiança de vela inflada. E havia ali alguém a pôr a vela
a favor do vento. E o sulco cortava a água cortava a areia por onde o barco
passava.
(extraído do livro uns tantos outros.)
quinta-feira, 2 de agosto de 2012
quarta-feira, 1 de agosto de 2012
para qualquer vento destruir
o esquadro e a régua deslizam pela folha
a ponta seca do compasso não se fixa
tudo escorrega e teima em produzir um guizo esgueiro
o papel plano sob os olhos
mantém-se em ondas branco
o risco do grafite não pega
a esfera oleada da caneta emperra
depois de muito lutar
vejo que não há como insistir
em usar esses instrumentos
eu poderia escolher a incisão profunda
mas o recorte faria vazado o que concebi silhueta
resta-me usar os dedos para imprimir
mas a mancha desferida
escorre pelas beiras
num acesso - não de raiva mas de angústia -
desisto do traçado e rasgo tudo
uma estranha habilidade nasce nesse gesto
armo em dobras o que concebi traço
o relevo deixado sobre a mesa
projeta na parede
a superfície planejada
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