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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

náufragos


Escurecer a sala, fechar as cortinas, cerrar em grade os dedos das mãos sobre os olhos; olhar a minuto diminuto o comer do tempo o ar em volta o cada momento. Irrespirar em frinchas tear nas frestas calafetar com a pele com a carne das mãos o presente e desenhar no tempo; desguarnecer, virar a página do agora com a mão. Pedra percorrida corrimão pedra lisa desgastada descer a escada pedra a pedra até alcançar o que ficou por trás do alçapão. Domar dos cabelos o tempo dos traços finos ranhados ranhuras da pele dos poros os vincos daquilo que não pode mais estar não pode mais ocupar não pode mais mensurar não pode mais aguardar não pode mais temer. Ver o que ficou turvado; onda que leva levanta leve venho até a crista craca encravada no casco. A madrugada.
Era barco e na proa a popa encostada no vidro da cabine. Deitada quase e a noite de lua cheia clara se azulecia por entre a mata o chaquá-quá vem vindo às vezes lembrar barulho o que era tombo no lombo o balançar das pequenas ondas que a água agora fazia.
Braços cruzados, a noite quase cheia de sereno e sirenes de grilos cricrilavam no ouvido barulho bento balanço ungüento pra minha alma tanta fobia. Do lugar eu avistava a praia em areia e pedras, pequena foice branca lambida a línguas de espumas fofas a deitar branco no breu que retinia da água. Não era mais preta porque havia a lua que a oleofazia. E eu contemplava lenta essa paisagem do alto da proa da minha nau, da minha barca embarcação emborcada embebida de lombra na madrugada. Era teu dorso que eu via quando descia os olhos da vigília sobre as cordas. Não sei como não te incomodou estar ali deitado ao desconforto de ardidas cordas nas costas, queimado do sol velejado o dia inteiro sol e salgado. Que via era essa que agora fazia? Eu ver-te ao vento, hoje à tarde, rosto suado, mãos deitadas ao leme, como se isso fizesse algum sentido para mim. O que em ti estraga é o estar solene parecendo sempre ser assistido para o cinema câmera máquina deitando imagem escanhoada no acetato posto por sobre o creme da tela. Você era essa fina agonia de não saber sentido em minha boca em minha régua em minhas lentes em meu caderno em minha tinta. Você era essa pedra lisa que escorregava o meu arfar de cumpra-se o que o meu corpo desejar. Cabelos anelos crespos pretos pratas conforme a lua borborejava ao balanço da água. Fazia ver teu rosto de lado perfil ligeiro agora tomado para esquadrinhar o que era que eu via quando eu te via. O que antes eu sentia quando te sentia perto próximo vão desviado de mim. Olhava e a madrugada entrando adentro e você sobre as cordas. Nada ardia nada doía tudo em você era perfeito para o momento. Isso era só o que eu via. E ao que pressentia não pude dar nome nem hoje à tarde nem a vida inteira que se seguira.
Como um ator. Embora quando eu digo isso eu não possa dizer que tenha pensado exatamente isso. Isso é isso o que de longe explico. O que eu vivi, vivi contínuo, sem olhar para. Sem conceber aquilo. Agora escandido no tempo é que eu consigo pensar que era isso. Isso de você ser aquilo que não embarcava, não se embalava na existência comum de viver comigo. O que era isso de você ser era o que eu não ainda sabia. Agora eu sei do verbo vivi. Experimento vago e dolorido daquilo ido.
Destroços de nós, chegamos à praia. Depois que chegamos, carregados pelas ondas: destroços. E eram nós ainda o que víamos de nós chegados à praia. Nada movimento. Cala no infinito. E o nenhum augúrio do que fomos formados do passado nos assoma? Qual. Quê. Estamos que só somos nós chegados à praia. E a areia não desfez. E a correnteza não desfez. E a correnteza nos arrastando a menos não desfez. Nós. Desferidos nós, chegados à praia. Não desfeitos. Nós, ainda nós, chegados, nós constituídos: cordas enlaçadas na velocidade do tempo fazendo-se opostas. Opostos constituídos, voltas circunvolutas voltas que se dão aos fios, que se dão às cordas, que não vibram quando feitas em obstrução: nós voltados sobre o mesmo de si mesmos quando deram à praia. E nem a maré e nem as ondas e nem a areia fez de nós nada que não sejam circunvoluídos nós atados e chegados a uma praia.
Mas o olhar no tempo pausa-pensamento esconde o que via acrescenta o que não ocorria, desmascara a âncora daquela tela por onde eu ia.
 (extraído do livro uns tantos outros.)

Um comentário:

  1. QUE COISA MAIS LINDA!!

    É EXATAMENTE O QUE SE PASSA. SE PASSA EM NÓS E FICA AQUELA COISA LINDA E NÃO CONCRETIZADA E QUE JAMAIS PODERIA, PORQUE NÃO É REAL, É TUDO IMAGINAÇÃO, INCLUSIVE VOCÊ! VERA.

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