Escurecer
a sala, fechar as cortinas, cerrar em grade os dedos das mãos sobre os olhos;
olhar a minuto diminuto o comer do tempo o ar em volta o cada momento.
Irrespirar em frinchas tear nas frestas calafetar com a pele com a carne das
mãos o presente e desenhar no tempo; desguarnecer, virar a página do agora com
a mão. Pedra percorrida corrimão pedra lisa desgastada descer a escada pedra a
pedra até alcançar o que ficou por trás do alçapão. Domar dos cabelos o tempo
dos traços finos ranhados ranhuras da pele dos poros os vincos daquilo que não
pode mais estar não pode mais ocupar não pode mais mensurar não pode mais
aguardar não pode mais temer. Ver o que ficou turvado; onda que leva levanta
leve venho até a crista craca encravada no casco. A madrugada.
Era
barco e na proa a popa encostada no vidro da cabine. Deitada quase e a noite de
lua cheia clara se azulecia por entre a mata o chaquá-quá vem vindo às vezes
lembrar barulho o que era tombo no lombo o balançar das pequenas ondas que a
água agora fazia.
Braços
cruzados, a noite quase cheia de sereno e sirenes de grilos cricrilavam no
ouvido barulho bento balanço ungüento pra minha alma tanta fobia. Do lugar eu
avistava a praia em areia e pedras, pequena foice branca lambida a línguas de
espumas fofas a deitar branco no breu que retinia da água. Não era mais preta
porque havia a lua que a oleofazia. E eu contemplava lenta essa paisagem do
alto da proa da minha nau, da minha barca embarcação emborcada embebida de
lombra na madrugada. Era teu dorso que eu via quando descia os olhos da vigília
sobre as cordas. Não sei como não te incomodou estar ali deitado ao desconforto
de ardidas cordas nas costas, queimado do sol velejado o dia inteiro sol e
salgado. Que via era essa que agora fazia? Eu ver-te ao vento, hoje à tarde,
rosto suado, mãos deitadas ao leme, como se isso fizesse algum sentido para
mim. O que em ti estraga é o estar solene parecendo sempre ser assistido para o
cinema câmera máquina deitando imagem escanhoada no acetato posto por sobre o
creme da tela. Você era essa fina agonia de não saber sentido em minha boca em
minha régua em minhas lentes em meu caderno em minha tinta. Você era essa pedra
lisa que escorregava o meu arfar de cumpra-se o que o meu corpo desejar.
Cabelos anelos crespos pretos pratas conforme a lua borborejava ao balanço da
água. Fazia ver teu rosto de lado perfil ligeiro agora tomado para esquadrinhar
o que era que eu via quando eu te via. O que antes eu sentia quando te sentia
perto próximo vão desviado de mim. Olhava e a madrugada entrando adentro e você
sobre as cordas. Nada ardia nada doía tudo em você era perfeito para o momento.
Isso era só o que eu via. E ao que pressentia não pude dar nome nem hoje à tarde
nem a vida inteira que se seguira.
Como um
ator. Embora quando eu digo isso eu não possa dizer que tenha pensado
exatamente isso. Isso é isso o que de longe explico. O que eu vivi, vivi
contínuo, sem olhar para. Sem conceber aquilo. Agora escandido no tempo é que
eu consigo pensar que era isso. Isso de você ser aquilo que não embarcava, não
se embalava na existência comum de viver comigo. O que era isso de você ser era
o que eu não ainda sabia. Agora eu sei do verbo vivi. Experimento vago e
dolorido daquilo ido.
Destroços
de nós, chegamos à praia. Depois que chegamos, carregados pelas ondas:
destroços. E eram nós ainda o que víamos de nós chegados à praia. Nada
movimento. Cala no infinito. E o nenhum augúrio do que fomos formados do
passado nos assoma? Qual. Quê. Estamos que só somos nós chegados à praia. E a
areia não desfez. E a correnteza não desfez. E a correnteza nos arrastando a
menos não desfez. Nós. Desferidos nós, chegados à praia. Não desfeitos. Nós,
ainda nós, chegados, nós constituídos: cordas enlaçadas na velocidade do tempo
fazendo-se opostas. Opostos constituídos, voltas circunvolutas voltas que se
dão aos fios, que se dão às cordas, que não vibram quando feitas em obstrução:
nós voltados sobre o mesmo de si mesmos quando deram à praia. E nem a maré e
nem as ondas e nem a areia fez de nós nada que não sejam circunvoluídos nós
atados e chegados a uma praia.
Mas o
olhar no tempo pausa-pensamento esconde o que via acrescenta o que não ocorria,
desmascara a âncora daquela tela por onde eu ia.
(extraído do livro uns tantos outros.)
QUE COISA MAIS LINDA!!
ResponderExcluirÉ EXATAMENTE O QUE SE PASSA. SE PASSA EM NÓS E FICA AQUELA COISA LINDA E NÃO CONCRETIZADA E QUE JAMAIS PODERIA, PORQUE NÃO É REAL, É TUDO IMAGINAÇÃO, INCLUSIVE VOCÊ! VERA.