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sábado, 4 de agosto de 2012

ele veio


Naquele dia ele veio vago vago vago feito viesse no convés de um navio. Nenhuma sombra o perseguia embora seu ar fosse esse de prega entre o que dava a ver e o que efetivamente existia. Nenhum sibilo de montanha o apavorara mais do que saber que ia ter de descer e andar entre as gentes e experimentar viver no preparo de comidas, no cuidar de fogões e pagar de contas. Mas ele tinha isso como uma determinação interna. Ele tinha decidido que ia virar pão. Ele tinha previsto que isso seria necessário, como fora necessário o dia em que sentiu aquilo vago vago vago dentro dele e esse sentimento de tudo atravessar e de ser atravessado por tudo. Agora ele tinha de aprender a viver semente entrementes todo entrecortar do momento pequeno e o pausar das mãos e o pisar dos pés no azulejo da cozinha e os dedos que apertam interruptores. Ser cor e corpo diariamente era o mais difícil intento desde que lhe acometera aquele sentimento de tudo. Presença do presente na pele na carne na hora vazia. Ele colocou a camisa, abotoando botão a botão sobre o peito o pano que agora o envolvia. Ele calçou a meia e vestiu como se vestem os dentros dos sapatos grossos de couro. A ausência de nervura ou vinco no couro denunciava o pouco caminhar com corpo feito até agora. Dava pouco a ver o que nele havia.
Ele tinha sido silêncio até então. E ao mesmo tempo era de extremos. Intensos extremos, essa é a verdade. E dessa forma deveria permanecer entre os resfôlegos das horas. Contudo, ele tinha de olhar e deixar vir seja lá o que fosse. Ele tinha de aprender a passar. Corpo no corpo. Pulsar trazido o coração. As fibras da carne umedecendo-se no navegar do sangue. O barulho tenso de sua articulação no pescoço.
E isso era o filete. O que bania o seu vago para sempre. Agora era corpo mensurado e vivo. E não mais devia se deixar apartar do que vinha. Navaga de vir vindo sempre.
E assim, de pé, escolhendo papéis para guardar nos bolsos das calças, pensou em quanto corpo além disso poderia experimentar. O que vibra para além da sua fibra molecular. O que onda havida comunicada cada a cada paralelepípeda energia a revolutear. O encontrar. E o encontrar de tudo a parede pele pelímetro que se vira feito página lâmina na mão. E assim com as chaves, dentes encaixados nas fendas.
E foi pra rua. Camisa branca na calçada. Sol estridente entre as pálpebras e o vigor do metal de automóveis. E passo a passo na escala de centímetros inteiros abordar da porta de onde trabalhava. Entrado, olhado, sentou-se.
E viram-se os olhos comunicar o veio o vulto do abrido do que dele ido e olhado e o revido do olhar do outro lado. Camisa branca as axilas lisas deslizar da pele molhada empapada. Um riso e o desviar dos olhos, mas ele havia prometido isso não mais fazer. Levantou novamente o rosto e encarou o ainda outro lado e vinha a voz de um sorriso fresco no ar que recebeu em cheio. Requebrar de cabeça e um meneio. Cabelos contra a luz da janela e ventam como chama fecham o vidro e o vento ainda venta. Ar fresco ali, no meio das mesas e quinas e papéis e teclas repetidas a descer e a subir nas telas pintando, mas isso não mais interessa. Acometido e olhado retribuído e revidado. Algo em haver, isso sim era descer. E ver. E veio.
– Quantos bolsos e papéis você agora traz consigo.
E riu daquilo ter sido dito.
– É que agora os trago escritos aqui comigo o que digo.
– E não trazia antes?
– Antes eu só ficava pensando em pousar a caneta e nem teclas usava. Agora os tenho todos avulsos rasuras anotadas.
E olhou os dedos de unhas cortadas. E ouviram-se seus risos suas gargalhadas.
Naquele dia o vento estava forte como só em alto-mar podem ser fortes os ventos. Ele segurava o leme com confiança de vela inflada. E havia ali alguém a pôr a vela a favor do vento. E o sulco cortava a água cortava a areia por onde o barco passava.
(extraído do livro uns tantos outros.)

2 comentários:

  1. LINDO!
    MUDAR É MUDAR DE ATITUDE. É ASSIM QUE ENTENDO,E D FORMA LINDA COMO DESCREVE .

    VERA

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