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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

do escuro


Agora eu posso escrever.
Agora não faz mais sentido.
No papel só há espaço pra ler e o que eu escrevo tem de ser sentido dito.
Em voz alta.
Com a lua opilando.
Com a frase no céu com estrelas brilhando.
Numa noite oblonga.
Sob o céu e as coisas.
E a frase que digo ali no lume da lua, diz:
lua.
Mas só de frase ninguém carece.
Agora só de noite
meio do mato
grilo e grama e chão molhado e terra orvalho e noite a dentro
madrugada
quem é que precisa de verbo
de língua?
Do escuro fez-se o verbo e não a luz.
Do escuro dentro, o verbo.
Do escuro vejo o ver vir tendo a luz.
Do escuro vejo o verbo
vejo o ver do verbo ver de ver a luz.
Do escuro veio o verbo ver
de ver a luz.

sábado, 22 de janeiro de 2011

as coisas todas que dizem eu


As coisas todas que dizem eu são assim como panos ou travessas ou só peças ou quase como couros ou fivelas chaves retrovisores ou janelas.
As coisas todas que dizem eu como coisas de que se perguntam que sou eu que digo quando falo reverbero um mais de mim o mundo sobre que discorro.
As coisas todas que dizem eu como holofotes ou como lâmpadas milhões de luzes ou como câmeras.
As coisas todas que dizem eu o mesmo que fotogramas.
As coisas todas que dizem eu como âncoras ou como lâminas.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

dentes


a natureza me deu dentes
para espremer cérebros
com as mãos
olhos
para configurar contrastes
onde há abismos
testa
para espremer meu cérebro
a ver se de alguma forma não mais veja
cubos em ângulos
pedras em escarpas
a desenhar cantos
onde deve haver esferas
a natureza me deu unhas
para raspar arestas
e retomar as curvas

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

três

Um a um os poros da paisagem pólen convergem os elementos do que vem vindo sempre. Respiração do infinito cada límetro do que dia a dia.

A miragem.

Da janela podia ver o horizonte mar e as embarcações atravessar a linha. Era azul todo dia. Mesmo que fosse cinza. E balançava. Nunca nada estava estável naquela toda hora mirada.

Dentro da casa era escuro. Tinha a pedra ao pé da escada. E também vinha água em cascata por suas escarpas. Era de um escuro de contraste com o dia. A luminosidade ardia acendida e abafada quando vivida de dentro da casa.

Ela passava. Eu passava. Ele passava e da bandeja de cobre se arremessavam todas as três taças.

Estávamos vivos. Era mês. O barco chegava agora ali todos os dias. Vivíamos inseridos dentro daquela casa. E as lascas de água jorrada da pedra sobre o assoalho de pedra mineira umedeciam aos poucos todo o solo por onde nossos pés pisavam.

Isso queria dizer que mesmo a lareira nos dias frios com suas línguas de azul e o crepitar de troncos, mesmo ela jamais fora capaz de tornar menos úmida nossa jornada.

Pisada descalça. A pedra fria. O limo escorrido que se lhe assomava. Todo o dia era esse alvorecer crepúsculo que nos aprisionava e o mar o horizonte das ondas o balançar da linha além para o onde olhar cada vez mais como o limo se aproximava.

Éramos três. Parecíamos únicos. Mas nos deixamos levar pelo abordar da água. A fonte fria que vinha em cascata e já tomava os primeiros degraus da escada. As paredes de um escuro musgo a absorver nossos gritos engolir nosso riso.

O limo da mata da terra do rio já tomava toda a fachada. Por dentro e por fora. As janelas já não se fechavam. A lareira deixara adormecer a sua última brasa. Éramos silêncios os três e o nosso pesar era o solo dos nossos dias.

Quem pode ser tão só? Quem pode ser tão triste?

Éramos escuros e o nosso dia a dia.

Até que um fugiu. Pela janela aberta um de nós escapou. Nenhum pôde ver ao certo quem de fato foi. Já disse: estávamos imersos.

Um escapou e agora somos todos a lamentar sua fuga. Aquele que ficou. Fuga daquele um que pela janela se despede do musgo e da água e da pisada fria.

Agora é pela floresta. Rasgando a pele dos pés e do rosto. Esbarrando as mãos arremessando-se e às pernas nos passos na rápida corrida. Resfolegar da hora encontrada. Respirar do ar escapado. Encontrar a praia de dentre os troncos os ramos as árvores. Dormir sobre as dunas.

E do outro outros aqueles três que para trás foram deixados só reter a imagem da lua que nessa noite é só uma sombra uma circunferência vazia.

(extraído do livro "um mundo outro mundo".)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

salto

Agora não havia apenas um. Era de dia. Mesmo que não fosse. Estava trepada no muro olhando para além, lá longe na estrada. Aquela para onde eu ia. Mas eles estavam ao pé de mim. Ao pé do muro pedindo que eu de lá descesse. Não entendi o porquê dessa agonia de quererem que eu descesse tanto de ter subido lá. Pedi com a mão que esperassem, enquanto meu corpo já ensejava o pulo para o onde da estrada. Pedi que aguardassem; esse era o jeito que eu inventei de fazê-los perceber que eu os via. Só que não era só isso. Eu os pressentia. E de pressenti-los meu corpo era praticamente arremessado para o alto do muro para o além do caminho para aquele destino que nenhum deles no corpo praticava. Eles estavam ali olhando insistindo pedindo. Um começou a subir pelo muro, mas logo desistiu perguntando como é que eu fizera para postar-me ali. Olhei para ele e não disse nada. Nada. O que havia em meu olho para o olhar era o ver de onde é que podia vir a pergunta. E não pude mais ver. Não pude mais entender de onde é que vinha aquela zona que ele habitava que o submergia apartado do compreender. Galguei o muro? É? Pois eu nem vi. Quando vi, estava aqui já sentando; o olho do movido olhar em direção à estrada do outro lado. Então passei as pernas. Passei e fiquei esperando para sentir o que daquilo na estrada. Ela passava rápida e do seu vento passando eu pude ler com os poros do corpo eu pude navegar o veio do todo daquela passagem. E só de ali olhando ali ver e passar a estrada. Vi que naquele instante era o corpo preciso movimento sabido do momento oportuno de entrar na estrada. Vi que era dali de onde eu estava vi que o momento chegava. Nada daqueles que me chamavam já fazia sentido em mim. Nada daqueles que me gritavam já dizia bom alvitre a mim. Agora era ali a trilha pé a pé de pegar palma planta apalpar o solo andar andar. Agora não era um só eu seguir; vinha também e a cada vir vinha nova estrada.

(extraído do livro uns tantos outros.)