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terça-feira, 6 de março de 2012

antipresságio


Eu poderia chamá-los Mateus ou Marina ou Thiago. Eu poderia chamá-los Virgínia ou Juliana ou Marcelo. Ou poderia inventar-lhes nomes mais diferentes e raros, como Salena, Açucena, Naviagante. Ou encontrar outra forma de dizer que eles brotaram, brotaram, naquela manhã da colcha de vapor que costuma envolver a Terra ao alvorecer. Brotaram e não se sabe bem de onde e muito menos como foi que eles vieram, porque vieram juntos no instante que foi o mesmo nos mais díspares lugares do planeta, hoje se pressupõe saber. Vieram diferentes de Cristo ou Buda ou Maomé ou Moisés, mas levados e trazidos por um ímpeto que depois se comparou ao deles, os que ficaram. Vieram obstinados, muito antes de predestinados. Vieram imediatamente imantados, imiscuídos, implantados na malha daquilo que se chama a vida. Trouxeram o sulco do nenhum caminho anteriormente trilhado. Foram brotando naquele cuidado de vir, mantendo-se na vida e com todos os seus enlaces e acasos. Trouxeram o sulco do outro caminho, aquele que se inventa com o pé a cada novo passo dado. Mas alguma coisa havia que eles pareciam saber antes, não só com o pensamento, mas com todas as fibras da pele, com todas as partículas do corpo.
Eles brotaram. E quando brotaram brotavam enquanto faziam de si coisas do vento, de invento. E nenhum veio salvar. Ou amanhecer o que de um se espera. Nenhum veio ensinar. Pelo contrário. Eles vieram pelo não salvamento. Eles faziam a cada passo o lastro do não me caminhe por trás, não me siga. Eles vieram ser nulos e nenhuns para os que os querem nascê-los. Zeros ou ocos ou fendas, o que ainda não vemos. Eles vieram e quando nunca percebemos e quando menos caminhos menoscabavam, mas aqui do outro lado do vir vieram. Isso isso isso é que pelo menos sabemos. E me basta perguntar por entre as letras que enlaço. O por que haveria de ser eu a os parir? Essa descomensurada ânsia do nascimento. Esse desmesurado abrir das patas-mãos a fabricar ungüento. E, me pergunto: por que razão presunça haveria de ser eu a engendrar esses índios novos desse não momento? Momento vertigem. Momento na linha. Engendrá-los com a unha e arrancá-los com os dedos? Eles não foram. Sequer seguiram. Eles sequer existiram. Porque a existência é pouco para aquilo que se cria. Eles. Os ateus imantados dos cabelos ao vento. Não vieram individuados, isso é o que é. Qualquer das juntas que se queira urdir. Qualquer das colchas que se queira deitar. Qualquer dos mantos que se queira plausir; a verdade é pequena diante da vertical tarefa do porvir. E isso é deitar cânulos de sentido. É prenunciar salvação. E o que só posso dizer sobre esses todos meninos idos é que os que não vemos são o que deveras são. Rede dos não trazidos. Ralo dos dedilhados vãos.
Vácuo do agora fui, onde vou cerzir o que ninguém pressente o que ninguém augure o que aqui já veio. Jogo de armar do invento. Dobra do inconcluso, plano que se engendra em avesso. Raspado da víscera vermelha, curva da parede úmida a vagir matéria arrancar do tempo o pressentimento. Vara do vulto a vir. Vagem do abrir abrir.
Eu poderia conjurar meninos e com isso andar para trás. Poderia dizer que aqueles Mateus, Naviagantes, Salenas andam por aí a apaziguar espíritos a entabular o caos. Mas isso não se faz nas urzes. Isso não se faz daqui. Vade retro desejo que a tudo explica que a tudo explana que a tudo abarca. Cacos do que é menos vir. Travo do que é um de costas. E o vento do que eu esperava me bafeja a cara e me escarra o rosto. Mostra o que me sobrepunha. E o de que calo é o se vieram ou se foram esses que um dia plantei nas folhas da expectativa de vir para aplacar o fluxo da imensa vida. Essa que eu desconheço essa que não agora finda.
E o que sei daqueles que hão de ver nascer essa nova esfera é que jamais quiseram ou foram ou completaram o sentido de nenhum presságio. Planos dos anticaminhos. Vórtices para além das vistas. Eles chegaram e agora habitam o cada momento um a um do combinar de células moléculas ígneas engate de goivas engate de angústias grotas de gretas gramas gruivos grunhos gorjear de grous na pretensa solidão do que jamais saberemos (de dentro de nossas galerias indivíduas) que é em cheio a vida alga da vida algaravia a garoar o ar do agora-agora.
(extraído do livro "uns tantos outros".)

5 comentários:

  1. Os perreco vem. Os perreco vão... Mais um texto seu de tirar o fôlego!
    Laura

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  2. UAU!
    Releio e é novo.
    Bj.
    Su

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  3. você sonhou o segundo parágrafo? porque eu sonhei quase isso, uma incrível semelhança. Vou reler mts vezes esse texto.
    IveSampa

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  4. MARA
    V. DELIRA SONHOS, SONHOS BELOS,BRINCA COM AS PALAVRAS DE MANEIRA QUE, ALÉM DE PENSAMENTOS INCRÍVEIS, TEM SONORIDADE E POESIA.BEIJOS, VERA.

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  5. Incrível! É um texto para ler e reler várias vezes e sempre encontrar alguma idéia que passou despercebida!
    Parabéns!
    Barbara

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