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sábado, 28 de março de 2015

lugar



Estar morto para a grande obra. Refugar do encontro. Ao final do dia da estrada por dentro a casa ao final do corredor. Subir a escada que dá para o sótão. Ultrapassar o alçapão. Ir ter com a antena e a chaminé. Escorregar pelas telhas. Quase pisar na calha. Enfim encontrar o umbral onde se sentar para dizer raven para dizer nunca para dizer never para dizer mais ou menos more. Sentar-se corpo comprido e escuro. Acreditar que a lua é um olho. Acreditar que as estrelas piscam anos de luzes de longe.
Acreditar na matéria. Antes na matéria. Somente na matéria. Matéria cava sem nenhum mistério de nada. Matéria que a qualquer teoria ou anseio aplaca. Acreditar no monturo no escuro no visgo que cobre o muro e descer trepadeira abaixo. Plantar os pés no solo. Não dar mais nenhum passo. Ficar entalado entalado desse ponto em diante. Não fazer caso do que se passou no passado. Não fazer caso do perfume da dama da noite. Não sequer ouvir o crilo cricrilo do grilo na noite. Ser azul como o sereno que nem parece existir. Ser do silêncio a afirmação do que inspira expira respira. A alegria se alegria me veio de onde?
Com os pássaros que andam calcar as plantas dos pés sobre a terra de duas em duas. Ficar só um momento mais no escuro. No jardim tentar não sentir mais nada que o sangue passando nas veias. Que o inspiro respiro expiro que me prende a esse mundo que me mantém aqui a despeito do que eu queira. Olhar para os tijolos arrumados no muro. Olhar para o caiado da cerca. Sentir que o capim molha a barra da calça.
Não ver como não ver quando não ver quem não ver onde. Não ver nada além do que o que se passa por dentro de quem? Em que circunstância? Por que laivo de trinca me chegou aquilo? Não ver o quê. Não ver o que faltava. Não ver o que nunca faltou. Não ver a hora chegada aquela tida como do nunca. Aquela desacreditada. Não ver não ver não ver não chegar a ver coisa alguma.
Passar como espuma. Suçuarana por dentro da noite. Esquecer de si. Esquecer do mundo esquecer de ser só estar dentro aqui não ter mesmo de onde. Estar dentro aqui. Ser do aqui a expressão do que nunca pisou sobre a terra do que nunca na verdade pôde existir sem ser por lenda. Estar sendo aqui de por dentro de uma prega prendida prensada cerzida costurada de dentro envoltório do escuro plissado de encontro de presente passado num tempo que nunca houve.
Estender-se pela palma e ver dos dedos sair o que se prende a vida o que se prende o tempo o que se prende sem nunca ter certo o que seja somente o modo de aqui existir vibrar corpo matriz de lugar. Corpo matriz de minutos corpo matriz de distância corpo matriz de errância corpo matriz de ao chegar ao dentro de ser estar tudo isso ainda encontrar um verbo de angústia um verbo de angu que só faz enxergar quem aqui chega. Debruçar sem tremer ante o ver que o que está agoraqui é um configurar de não sei que de não sei quem de não sei de onde veio como veio de um jeito ou de outro.
Estar lugar estar sem ser dentro de um onde mas de outro dentro por dentro bem dentro estar quando.

(extraído do livro "um a um - os poros da paisagem pólen".)

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