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quinta-feira, 3 de março de 2011

vala comum



Estávamos todos ali. Éramos um todo confuso. Ninguém se sabia dizer. Apalpados todos juntos nossos corpos faziam peso faziam pressão uns sobre os outros. Éramos um todo indistinto. Massa dos não conclusos, corpos semblantes dígitos. Éramos só pelas linhas das mãos. Cada um pelo lado do avesso. O contracorpo era o que nos dava o nosso começo. Éramos aqueles algures que nem sofregavam nem aspergiam olhares certeiros para além dos tantos mesclados cheiros. Éramos as tramas entrelaçadas dos fios de uma colcha comum. Tenda armada pelo consenso do que seja o só um.

Éramos o foco desfeito. Coisa que não tem sentido. Fluxo amorfo que se enreda nos caminhos ermos. Vivíamos em nosso próprio olvido. Os que não se vêem os que não se sabem vindos. Grãos calcinados pelos solares raios. Frutos que não se maduram que não reconhecem os seus próprios talos. Os que não se convencem os que se contentam em contentar-se com os indistintos meios. Éramos os nós dos que se emaranham de todos os jeitos.

Éramos os zeros as fendas as brechas por onde escapam os veios. Rastros deixados algures passos que não se cumprem.

Éramos por outro lado. Obstinados em nossos erros. Estávamos ocupados apenas com nossos eitos. Estávamos no que se compraz de ter como ápice a sombra dos injustificáveis zelos. Víamos o que não se comprova com os contrários o que não se contrai dos opostos o que não se contenta com definidos termos.

Éramos de todo jeito. O mais elementar conluio dos que não se atêm a lugar nenhum. Um conjunto de ossos uma procissão de entes que se imiscuem ventre de todos os entres. Éramos os que não têm nada a perder ou ganhar ou querer. Éramos os que estávamos ali sem nada ou nada a ser a não ser o negar do aquilo que nos disseram ser desejável sermos. Éramos os que não foram não eram jamais aqui ou em qualquer outro fluxo que nos determinasse para aquém da causa última, cláusula certeira. Estávamos todos juntos no que se afirma para além do que se determina e por isso permanecíamos sendo o exercício de inconfiguráveis mãos.


(extraído do livro uns tantos outros.)

4 comentários:

  1. Texto-imagem. Sem margem. Só textura de corpos e desespero.

    Isa

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  2. "Éramos os que não têm nada a perder ou ganhar ou querer. Éramos os que estávamos ali sem nada ou nada a ser a não ser o negar do aquilo que nos disseram ser desejável sermos."

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  3. Mara, que coisa doída... Pesada e doída.
    Lindo, como todas as suas criações.

    beijo!

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  4. Mara, aqui vai:
    Éramos, somos, sempre seremos essa massa amorfa, perdida, solta e junta, errante, vagante que "se acha" sem ser, "se sente" sem perceber que é apenas parte errante, perdida em meio a algo muito maior sem nenhum sentido a não ser acontecer, reacontecer e deixar de ser para se tornar.

    Beijos Vera

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