Powered By Blogger

sábado, 21 de janeiro de 2012

latitude/longitude



Nas cavernas de nenúfares, começava assim. Nas cavernas de nenúfares em plena luz do dia que ficava lá fora e não era luz que vinha. Nas cavernas quentes de estufas, onde flores, caules, seivas alimentavam minha necessidade de viver um mais que muito amplo estado de pesadelo. Nenúfares de cheiros impregnando por sua vez e desta feita estas cavernas que são os canículos do nariz. Mesmo. E eu ali. Sombra repentina. Nada do que mesmo que eu diga, diga, nada do que "mesmo que eu diga vivi ou viverei é presente porque eu os digo já" nada do que mesmo quando sombra realizar-se ensejo ensendo a vida rapsódia de muitas esferas ......................................
Mas tudo são ditos e eu digo dito de dizer que começava assim: Nas cavernas de nenúfares por trás da proto-esfera, gerando mente ou semblante ou fibra carne tremente que imprime senso sentido ao ver ao ver-se ao sentir-se vendo. Nas cavernas pesadelos que se abrem para o escuro, que se abrem ao âmbito obscuro de mais areia, mais areia cai pela cinturinha fina da ampulheta.
E desceu. Escorregou matéria, aqui na minha frente, vejo seus pés, vejo sua cena. Ele está ali, dignificado, em plena aventura de podermos dizer que ele, afinal, está ali sendo. Mas... nada mais menciono, não mencio, deixo-o ali estatuído indivíduo, aparentemente, sendo. Um lápis e uma folha de papel estavam em sua mão direita e na outra um cigarro aceso meio fumado soltando uma fumaça que me chegava quase trago ao nariz. Era vê-lo, e eu via... Ostentava um paletó, riscado por alfaiate. Tecido que lhe caía perfeitamente pelo tronco. Panejavam-lhe as calças, sobremaneira largas, em desequilíbrio em relação ao fato superior. Ele era uma figura de vento que desabrochava todo ao se vê-lo. Respiro, um, dois, três. Verdadeiramente se pode dizer então que ele está vivo porque respira ou algo respira nele. Estende a mão esquerda até a boca e traga-traga o cigarro soltando uma baforada grossa, produtiva, que se esgarça demoradamente em seu entorno. Ele olha para o céu e pensa o que é possível se fazer agora que depois de todo esse fluxo eu fui. Era preciso voltar a viver... e ele então, obedecendo ao ato que o respirava, prosseguiu no calçamento em busca de outra senda outra estada. Estava agora de costas, pensou em descer as escadas que levam ao metrô. Leu um cartaz oferecendo garçons e kits para festas, decorou o número de telefone de um recuperador de fitas de vídeo mofadas, mas esqueceu de tudo ao pensar que hoje à noite teria mais uma vez que ter com ela à mesa da casa de repouso. Pensou nos fios desgrenhados de cabelos brancos amarelecidos e na roupa de dormir que amassada e fedendo ela estava usando todas as vezes que ia visitá-la. Ele a amara e ela não ela não era mais ela. Vagou mais um pouco pela calçada na esperança de poder recuperar algum sentido para o vê-la. Largá-la lá. Deixar que dela cuidassem outros estranhos tanto quanto ela mesma para si mesma. Quem era eu, digo ele, digo ela, com todas as pequenas coisas que se viam... Outro de cada um o que vê ele via e via toda vez que pensava nela ela sendo mais como era do que como agora a via. E era uma agonia. Lembrava de quantas vezes pensara em como seria insuportável vê-la vivendo sem mais tê-lo como aquele que ela amava. O quanto aquele amor que o arrancava de si o arremessara aos mais intensos pesadelos de capela pétala de nenúfares dentro. Água gota a gota, vendo aos poucos pingo de caule que não seiva passa à toa o que caverna para dentro da flor do que não do que não do que não veia. Submergia naquele medo de ver seu olho de pedra não enxergá-lo como aquele que ela amava. Pensava em como preferia até que ela morresse, por minutos; não, pensar assim também não, mas que por esse caminho ia, ah, isso ia, muitas vezes. E no fim ela esqueceu de tudo, até de quem ele era até de quem era ela. Seu olhar havia se tornado de pedra. Olhar de frio sem sentido de ver ou ver outro que não aquilo que era o que ele ali deveria estar, como é consenso entre os que ali estão.
Nas cavernas de nenúfares era para onde ia cada vez que sentia aquela mão pousar na minha mão.

(extraído do 'livro' "uns tantos outros")


3 comentários:

  1. Na caverna de nenúfares para onde
    vamos eu
    vou nós
    sempre o outro
    vão

    lindo reler,
    isa

    isa

    ResponderExcluir
  2. sombra repentina/ nada é presente/ proto-esfera/ cinturinha fina da ampulheta/ estatuído indivíduo/ figura de vento/ algo respira nele/ busca de outra senda outra estrada/ mais uma vez ter com ela à casa de repouso/ e era uma agonia de capela/ seu olho de pedra/ olhar frio/ como é consenso entre os que ali estão/ mão pousar na minha...
    (I´m crying)
    IS-Logopeia

    ResponderExcluir
  3. Esqueci de dizer que reconheci o texto já lido talvez em "Babel, é claro", é? Mas na ocasião não me pegou tão fortemente como agora, em que vivo coisas Dalí - Reli'n's crying again.
    Tb digo: o primeiro comentário, isa, poesia.

    ResponderExcluir