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sexta-feira, 2 de julho de 2021

Cerne

 Quando olhei para minha vida toda entrecortada descobri as fendas por onde vertia sangue encontrei o ponto em que as lágrimas foram ressecadas e cheguei a ver o fim de novo. Quando olhei a minha vida toda despedaçada encontrei os dias de pura epifania e os instantes em que as visões eram derrubadas para só sobrar os escombros. Quando olhei a minha vida toda me fugia pelos lisos da agonia e não encontrava onde pôr as mãos e não encontrava onde arrumava forças para persegui-la. Quando olhei a minha vida toda alinhavada descobri os furos da agulha sobre a colcha e o que estava lado a lado parecia apenas os lapsos recortados. Quando olhei a minha vida toda feita em fugas descobri que não havia por onde escapar e encontrei de novo aquilo que me erguia e que me dava o tom. Quando olhei a minha vida toda escapada descobri que tinha fibra no que me fugia e me deixava marcas que me susteniam e o timbre e a foice compunham uma melodia. Quando olhei enfim toda a minha vida descobri que o que me fora tirado sempre esteve aqui intacto: eu é que não via.

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