para Rodrigo Lucheta
Ainda que eu faça borrado sem palavra escrito de lado. Ainda
que eu faça sem lastro sem tom sem acorde. Ainda que eu faça sussurro rumor do
urro da garganta só o gutúrio. Ainda que eu faça sem nome e sem tônus. Ainda
que eu faça com terror do meu próprio enredo. Ainda que eu faça sem fôlego só
no gesto em espasmo desatino. Ainda que eu faça pequeno arrancado a faca do
desespero. Ainda que faça sozinho naquele quarto naquele abismo o que se traça
do que eu não digo o que escapa o que consigo. Ainda que eu faça no extremo do
que se passa a contrapelo. Ainda que eu faça sem fim. Ainda que eu faça sem
língua que me ultrapassa foge ao meu grito. Ainda que eu faça sem céu sob a
borrasca barco sem leme. Ainda que eu faça aos tateios passos sem passos passos
tropeços. Ainda que eu faça aos soluços o que se esgarça não é o que eu digo é
o que arranco da noite dos dias o que extraio dos pesadelos. Ainda que eu faça
ao abrigo do que insiste em se chamar de íntimo e que não passa da regra engendrada
na pele dos primeiros dias. Ainda que eu faça comprido e não chegue a dizer o
que me percorre a frio. Ainda que o corpo em estase me impeça o gesto me impeça
o grito o vulto a voragem o vórtice a trinca deixo anotados versos interditos
som de traçado letra só atrito. Ainda que eu faça na vaga corpo lançado do
parapeito. Ainda que eu faça sem rima sem frase sintagma num texto suicida.
Ainda que não chegue a nada barco na areia noite perdida sulco esboçado sístole
distímica. Ainda que não alcance a palavra o que se passa não é o que eu digo
mas o que me transborda os poros e rasga meus dígitos. Ainda que eu não fale
mais nada que escorra dessa baba o rastro o visgo do meu corpo a corpo contra
esse Eu desde o início prescrito.
(extraído do 'livro' "afeto confesso")
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