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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

ainda que



 para Rodrigo Lucheta

Ainda que eu faça borrado sem palavra escrito de lado. Ainda que eu faça sem lastro sem tom sem acorde. Ainda que eu faça sussurro rumor do urro da garganta só o gutúrio. Ainda que eu faça sem nome e sem tônus. Ainda que eu faça com terror do meu próprio enredo. Ainda que eu faça sem fôlego só no gesto em espasmo desatino. Ainda que eu faça pequeno arrancado a faca do desespero. Ainda que faça sozinho naquele quarto naquele abismo o que se traça do que eu não digo o que escapa o que consigo. Ainda que eu faça no extremo do que se passa a contrapelo. Ainda que eu faça sem fim. Ainda que eu faça sem língua que me ultrapassa foge ao meu grito. Ainda que eu faça sem céu sob a borrasca barco sem leme. Ainda que eu faça aos tateios passos sem passos passos tropeços. Ainda que eu faça aos soluços o que se esgarça não é o que eu digo é o que arranco da noite dos dias o que extraio dos pesadelos. Ainda que eu faça ao abrigo do que insiste em se chamar de íntimo e que não passa da regra engendrada na pele dos primeiros dias. Ainda que eu faça comprido e não chegue a dizer o que me percorre a frio. Ainda que o corpo em estase me impeça o gesto me impeça o grito o vulto a voragem o vórtice a trinca deixo anotados versos interditos som de traçado letra só atrito. Ainda que eu faça na vaga corpo lançado do parapeito. Ainda que eu faça sem rima sem frase sintagma num texto suicida. Ainda que não chegue a nada barco na areia noite perdida sulco esboçado sístole distímica. Ainda que não alcance a palavra o que se passa não é o que eu digo mas o que me transborda os poros e rasga meus dígitos. Ainda que eu não fale mais nada que escorra dessa baba o rastro o visgo do meu corpo a corpo contra esse Eu desde o início prescrito.

(extraído do 'livro'  "afeto confesso")

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