Tudo é uma parede de músculos que respiram a despeito do que
se queira. Alçapão sem lanterna. Chegar ao topo descobrir ao fundo o ápice do
fosso. Céu gelado tanque de água escura. Gotas que caem da laje. Nenhum bote
nenhum remo nenhum corrimão. Nem claraboia nem todo zelo podem fazer parar o
que essas paredes insistem em contrair. Algo como uma força voraz que arrebata
qualquer fluxo. Válvula sem fim alimentada por sei lá que recorrente apelo.
Levantou da cama para mais um dia. Olhar sempre no espelho.
Ver o vago da noite inteiramente perdida no mesmo pesadelo. Naquele dia nem a
barba faria. Nada de passar pente no pelo. Nem tomar banho. Nem trocar a roupa
com que já estava há dias. Nem sequer preparar o café. Nem o jornal. Nem a luz
do dia. Nem um passo para fora. Naquele dia estava decidido ele só faria o que
lhe dizia tudo isso que lhe viajava a contrapelo.
Sentou-se na sala. A cabeça fria. As mãos frias e secas
descansavam sobre os braços da poltrona. O jornal do outro dia jogado ao pé. A
xícara com café pela metade largada ali. Nem o tapete nada lhe dizia. Nem ele
era algo que àquilo tudo assistia.
Sentou-se sem tomar coragem. Nada premeditado. Só se sentar
na poltrona como sempre fazia. Nenhum lápis na mão. Também nenhuma caneta. Nem
a nesga de sol pela janela. Nem os barulhos do elevador. Nem o rumor constante
da rua. Nada lhe arrancava de dentro daqueles cômodos que dentro dele só havia.
O mundo a lhe acabar ao redor. E o seu único destino lhe comprimia. Ser de
papel. Sem ter mais que duas faces. Bidimensional tudo o que pudesse sentir era
agora para ele a única parte do jogo que lhe cabia. Ficar sentado ali. A
esperar sem esperar. Sem desejar. Ou imaginar. Sem nada diante de si. Só o que
lhe vinha por trás. Só o que lhe vinha por dentro. Só o que ele tinha entre o
ar e o que lhe viajava nas veias. Pelos e a pele.
Como chegar até aquilo que lhe fazia biombo que lhe fazia
fronteira. Fibra membrana que vibra ritmo que sempre se esgueira.
(extraído do 'livro' "afeto confesso")
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