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segunda-feira, 1 de abril de 2013

arco aro areia



Chão de areia, pedrinhas ínfimas e uma borboleta. Fotografia. Estava abril e o claro-escuro da atmosfera nos dava as 14 horas como uma alegria de sombra fria e estridente fulgor do céu e do sol e do outono que nos refrescava. Andávamos na praia vazia. Olhamos para trás e nossas pegadas lado a lado faziam dunas em contraste do amarelo areia e o cavado escuro pelos nossos pés naquela tarde.
Arco no ar quando nos encontros aproximávamos os nossos pulsos nossos fluxos e por alguma química de nossos equívocos éramos criaturas mágicas um para o outro. E isso era um pra sempre que se armava de nossos laços de nossa voz. Campo de força que bania para fora todo o perigo.
Cavo na distância as palavras só as do que fomos. Mas o que poderia dizer de nós, que fomos, só com o olhar por essa face?
Daquela tarde de areias e pegadas, daquele dia em que nos espraiamos pelo céu e pelo sol, muito se inaugurou na diferença. Aqueles todos ventos em nossos cabelos em nossos panos, aqueles todos passos cavoucando eram passos para o oposto um de cada um.
O que desconhecia naquela época era o que eu era era o que você era. Falo de conhecer com o saber salgado o eflúvio da onda o úmido do ar; conhecer com a tripa e com o corpo. Naquela época isso não chegava a capturar. Assim desvaneciam-se-me os sentidos e eu ficava apartada dessa apreensão.
Eu não te via; o que eu via só vinha de mim. Eu soprava e te fazia criatura do que só eu podia. Você de sua parte se ocupava em me supor e em me suprir. Alimento alimentiras alimentranhas que não faziam nada além de estar voltadas para o que não viam.
Aquele zero que fomos não era algo que se pudesse ver. Éramos o zero por onde passávamos entranhas; aros que julgávamos nos preencher. Mas também vibrávamos à nossa revelia. E esse reverberar teve um poder alquímico de transmutar em mim o que era resíduo. De inaugurar um outro modo de me fazer plausível e de me dar a ver. Foi desse um dia abrido que dei por mim a desejar o instante. E em você não projetei mais o abrigo.
Cavar no oco. É o que não mais procuro.
Mas tenho de passar pelas paredes e portas por onde vivemos, já que nossa história não vem só do que eu via naquela tarde na praia vazia.
Paredes e portas de onde não soubemos escapar. Comprimidos, esmagados pelo nosso ordinário enxergar. Nosso espaço afiado por lâminas ardidas a frisar os poros cortar nossos pulsos interromper nosso fluxo. Nosso diário ácido de alimentar o que de pouco havia o que de ponta havia em nossa prisão espelha de nos querer afirmar só o ínfimo.
Cacos de labirinto o corredor a sala a cozinha, a janela a porta e a pia e mais sobretudo a nossa calvária mobília por onde não nos deixamos escapar. Não nos deixamos vir eternos naquilo que de nós podíamos ter feito o infinito. Fomos cumes invertidos. Nossa avidez não nos deu nada a não ser o voraz e o interrompido. Ódios nos ódios nossos olhos aduncos nos comprimiram para o cada vez mais aflitos.
Portas e paredes e a luz que entra por esse canal. Abissal. E as sombras foram facas a cortar nossos vultos que a despeito de tudo ainda se debatiam para tentar passar. Por paredes e portas pisando os tapetes das salas num enovelar obstante, obtemperante; subterfúgio incessante de procurar ter de volta o que nunca conhecemos. O que fugia de nós um fugir permanente. Roçar de equívocos gerando arestas esquinas.
Você me abarcava e com sua asa só me afastava. Eu constatava que nunca conseguira te ver. Nós nos perdíamos por entre o que queríamos ser. Fuga de ausentes.
E não porque não nos tenhamos segurado com todos os dedos.
Nossas angústias nosso havido medo. Tudo o que fazíamos era um engate de unhas era um mútuo atropelo. Nosso zelo era um não nos achar porque insistíamos em procurar nossos obliterantes mesmos. Eus de conchas ocultadas de seu próprio vindo.
Assim, instante a instante, quando vimos já nem na praia nos pertencíamos.
Já nem nas tardes, nem nas nesgas de dias, nos fiapos de crepúsculos nos convivíamos. Nosso viver comum era um escoar de corpos de olhares de abraços. Um escoar ininterrupto que nenhum dique podia aplacar. Éramos outros fios a nos entrelaçar outros novelos. E nem podíamos rir ou chorar. Nem podíamos olhar para o aquilo que estávamos fazendo, que estava nos acontecendo, que estávamos acontecendo.
Sei que escrevo um não configurar da nossa história. Meu texto cava o que não mais se pode experimentar; rasura que só explica em traços que não fabrica os rostos. Porque não há o que acrescentar, não há histórias para desenvolver. Porque o que vem escrito vem sempre vulto. Essa vertigem essa voragem essa ranhura você jamais conseguirá ver. O que fulguro é farpa nesse texto estranho a ocupar seus olhos e os seus sentidos com letras esquivas.
Só o que digo a título de epílogo é que fomos o U da vala, o que ainda que pareça nada enseja a superfície cava. 

(extraído do livro "uns tantos outros".)

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